Resposta lenta ao vírus no Brasil aprofundou crise econômica e social
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Resumo da notícia
- Presidente Bolsonaro não confirmou presença em cúpula para debater futuro do emprego
- Epicentro do surto, América do Sul é região mais afetada no mercado de trabalho
- Brasil perdeu 20% de horas trabalhadas no segundo trimestre do ano, uma das maiores taxas do mundo
- Para OIT; só uma resposta à saúde pode proteger a economia
A América do Sul, epicentro da pandemia da covid-19, está sendo também a região mais afetada pela perda de horas de trabalho no mundo e o Brasil, ao optar por salvar a economia e não priorizar o combate ao vírus, aprofundou a crise social. O colapso do setor econômico não conseguiu ser evitado e o país acumula o segundo maior número de mortes do planeta.
Dados divulgados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam que a região sul-americana teve a maior perda de horas de trabalho no mundo no segundo trimestre do ano, com uma queda de 20,6%. Isso seria equivalente a 32 milhões de postos de trabalho em tempo integral.
No caso do Brasil, os números também apontam para uma perda de 20%, uma das maiores do mundo. A taxa é o equivalente a 11 milhões de postos de trabalho em tempo integral.
O novo informe da entidade publicado nesta terça-feira considera que o impacto da pandemia no mundo do trabalho foi mais severo do que o estimado anteriormente. "O número de horas de trabalho perdidas em todo o mundo no primeiro semestre de 2020 foi significativamente pior do que o estimado anteriormente", diz.
Na próxima semana, a OIT realizará uma cúpula para debater formas de lidar com a pior crise mundial no setor de empregos. Apesar de o evento contar com mais de 40 chefes-de-estado e de governo, a coluna foi informada que a presença de Jair Bolsonaro ainda não foi confirmada. Por enquanto, Brasília estaria "avaliando". Em Genebra, porém, não há sinais de sua participação no que seria o maior evento até agora para lidar com o que o Planalto diz ser sua prioridade: empregos.
Enquanto a confirmação não chega, a OIT alerta que a "recuperação altamente incerta" no segundo semestre do ano não será suficiente para permitir que as taxas desemprego voltem aos níveis pré-pandêmicos, nem no melhor dos cenários. O risco, portanto, é de que a comunidade internacional corra o risco de ver "perdas contínuas de empregos em larga escala".
No segundo trimestre de 2020, a OIT estima que houve uma queda de 14% no horário de trabalho global, equivalente à perda de 400 milhões de empregos em tempo integral. Em maio, a OIT estimava que a perda era de 10,7%, ou 305 milhões de empregos.
"Os novos números refletem o agravamento da situação em muitas regiões durante as últimas semanas, especialmente nas economias em desenvolvimento", afirma.
Quem escolheu economia, perdeu tudo
A queda na América do Sul havia sido de apenas 4,5% no primeiro trimestre, com uma perda equivalente a 7 milhões de postos de trabalho. Mas, segundo a OIT, a região mergulhou numa crise ainda maior a partir de abril.
"É evidente que a situação na América do Sul é fonte de grandes preocupações, tanto por conta da pandemia como pela situação economia", disse Ryder. "É a situação mais severa no planeta hoje no mundo. É uma realidade triste", lamentou.
Para o britânico, "não há como escolher" entre salvar a economia e salvar vidas. "Se não houver saúde, teremos um resultado muito ruim na economia", disse.
Ao ser questionado sobre a situação do Brasil, ele optou por não se referir exclusivamente ao governo. Mas alertou que países que atrasaram medida sofreram consequências, tanto no que se refere ao emprego como na renda.
Sangheon Lee, representante da OIT e autor do informe, os dados para o Brasil revelam que a perda foi de 20% em horas de trabalho. Segundo ele, o que se viu no país foi um abandono do mercado de trabalho, e não apenas um aumento da taxa de desemprego.
Segundo ele, a mão de obra no Brasil representava 55% da população antes da pandemia. Hoje, ela estaria abaixo de 50%.
"Há uma correlação clara com o caminho da pandemia", afirma Guy Ryder. "O que isso mostra é que medidas para conter o vírus são precondições e não obstáculos para o resultado no mercado de trabalho", disse.
Ao longo dos últimos meses, Bolsonaro adotou um discurso de rejeitar a adoção de quarentenas, apontando que isso deixaria milhões de pessoas sem trabalho e renda. Enquanto isso, insistia em participar em manifestações e minimizou o risco do vírus.
Além da América do Sul, o impacto também foi profundo em todo o continente americano, com perda de 18,3%, o equivalente a 70 milhões de postos de trabalho. "As Américas é a região mais atingida hoje", disse. "Os números são tão grandes que é difícil entender", admitiu o diretor-geral da OIT, Guy Ryder. Na Europa, a taxa foi de 13,9%, contra 13,5% na Ásia.
"A grande maioria dos trabalhadores do mundo (93%) continua a viver em países com algum tipo de fechamento de locais de trabalho, sendo as Américas as que sofrem as maiores restrições, indicou.
Segundo semestre de 2020
A OIT alerta, porém, que a crise não terminou e que uma recuperação será lenta e dolorosa, mesmo com pacotes de US$ 10 trilhões de estímulo. A entidade preparou três cenários de recuperação no segundo semestre de 2020 e indicou que o resultado a longo prazo dependerá da trajetória futura da pandemia e das escolhas políticas do governo.
O cenário pessimista pressupõe uma segunda onda da pandemia e o retorno de restrições que retardariam significativamente a recuperação. "A consequência seria uma queda no horário de trabalho de 11,9%, ou 340 milhões de empregos em tempo integral", aponta.
Num cenário intermediário que pressupõe uma recuperação da atividade econômica de acordo com as previsões existentes, o levantamento das restrições no local de trabalho e uma recuperação no consumo e investimento, a projeção é de uma diminuição do horário de trabalho de 4,9%, equivalente a 140 milhões de empregos em tempo integral.
Já no cenário otimista, a OIT pressupõe que as atividades dos trabalhadores retomem rapidamente, impulsionando significativamente a demanda agregada e a criação de empregos. Com esta recuperação excepcionalmente rápida, a perda global de horas de trabalho cairia para apenas 1,2%, ou 34 milhões de empregos em tempo integral.
Impacto sobre as mulheres
Uma das principais preocupações da OIT, porém, é a situação das mulheres, afetadas de forma profunda pela pandemia. Há um risco de que alguns dos modestos progressos alcançados nas últimas décadas em matéria de igualdade de gênero sejam perdidos e que as desigualdades de gênero relacionadas ao trabalho sejam exacerbadas.
Uma das explicações é a presença de mulheres trabalhadoras justamente nos setores mais afetados pela crise, como alimentação, vendas e manufatura. "Em termos globais, quase 510 milhões ou 40% de todas as mulheres empregadas trabalham nos setores mais afetados, em comparação com 36,6% dos homens", indicou a OIT.
"As mulheres também dominam nos setores de trabalho doméstico e de saúde e assistência social, onde estão em maior risco de perder sua renda e de infecção e transmissão, e também têm menor probabilidade de ter proteção social", constatou.
"A distribuição desigual pré-pandêmica do trabalho de cuidado não remunerado também piorou durante a crise, exacerbada pelo fechamento de escolas e serviços de cuidado", completa a OIT.
Medidas
A agência ainda sugere medidas para que governos possam agir diante da crise. Entre elas está o esforço para "encontrar o equilíbrio e a sequência correta de intervenções sanitárias, econômicas e sociais e políticas para produzir ótimos resultados sustentáveis no mercado de trabalho".
Também se sugere "proteger e promover as condições dos grupos vulneráveis, desfavorecidos e duramente atingidos para tornar os mercados de trabalho mais justos e equitativos.
"As decisões que adotarmos agora ecoarão nos próximos anos e depois de 2030", disse diretor-geral da OIT, Guy Ryder.
"Embora os países estejam em diferentes estágios da pandemia e muito tenha sido feito, precisamos redobrar nossos esforços se quisermos sair desta crise em melhor forma do que quando ela começou", afirmou.
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