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Jamil Chade

Desmatamento tem dano potencial de R$ 60 bi em investimentos no Brasil

Queimada é vista do alto, em meio a área de floresta próximo a capital Porto Velho - Bruno Kelly/Amazônia Real
Queimada é vista do alto, em meio a área de floresta próximo a capital Porto Velho Imagem: Bruno Kelly/Amazônia Real

Colunista do UOL

15/10/2020 06h11

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A incapacidade de lidar com o desmatamento na Amazônia ou no Cerrado poderá custar caro à economia brasileira. Um levantamento inédito realizado por uma rede internacional de entidades constata que o setor financeiro europeu investe mais de R$ 60 bilhões em empresas do agropecuário brasileiro. Mas uma pressão cada vez maior por uma mudança de comportamento poderia levar bancos e seguradoras a rever uma parcela de seus investimentos no Brasil.

A conclusão é da rede Fair Finance International, que realizou três grandes estudos analisando quanto dinheiro é investido em empresas com alto risco de envolvimento no desmatamento da Amazônia e do Cerrado brasileiros.

Os estudos consideraram instituições financeiras ativas na Alemanha, Noruega e Holanda, examinando quanto dinheiro é injetado em empresas que poderiam contribuir para a redução da biodiversidade no Brasil.

No Brasil, a rede FFI é representada pelo Guia dos Bancos Responsáveis (GBR), coalizão de organizações civis liderada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que avalia o comprometimento dos bancos brasileiros com pautas ambientais, sociais e de governança.

No caso da Europa, os estudos selecionaram as empresas mais expostas ao risco de desmatamento nos setores de carne e soja, grandes responsáveis pelo fenômeno.

Inicialmente, 59 empresas de produção, processamento e venda de soja, ração, proteína animal - suína, bovina e aves - e lácteos em três zonas geográficas foram examinadas, com atividades no Brasil, China e Europa.

Entre elas, foram analisadas as empresas do agronegócio e varejo que atuam em posição de liderança no mercado brasileiro, que totalizam 26.

"Juntos, os estudos de Alemanha, Holanda e Noruega identificaram mais de US$11 bilhões (R$ 61,3 bilhões em valores correntes) injetados em 26 empresas líderes do agronegócio e varejo brasileiro", indica o estudo.

"Foram identificados investimentos de 31 instituições financeiras dos três países, dentre seguradoras, bancos, gestoras de recursos (asset managers) e fundos de pensão. Se contabilizadas as empresas chinesas e europeias que não necessariamente operam no Brasil, mas que consomem os produtos do agronegócio brasileiro (principalmente soja e ração), aumenta-se o número de empresas para 59 e o valor investido ou emprestado para quase US$ 21 bilhões (R$120 bilhões)", explica o levantamento.

No caso da Holanda, o estudo identificou quase US$ 3,2 bilhões de investimentos em ações e títulos das 59 empresas examinadas. Praticamente metade desse valor foi para as empresas líderes do agronegócio brasileiro, um montante de US$ 1,4 bilhão. Além do valor em investimentos, essas empresas atuantes no mercado brasileiro receberam mais US$ 7,8 bilhões em empréstimos que ainda estão vigentes e outros US$ 1,1 bilhão em subscrição de ações entre 2015 e 2020.

"Contabilizando investimentos, subscrições e empréstimos, 19 instituições financeiras atuantes na Holanda destinaram quase US$ 10,4 bilhões às 26 empresas que lideram o agronegócio e a distribuição de seus subprodutos no Brasil", indicou.

No caso da Alemanha, o foco do levantamento foi o setor de seguradoras no país, bem como das gestoras de recursos que elas contratam para gerir parte de seus fundos. "O valor encontrado é menor, mas não menos relevante: US$ 764,1 milhões destinados às empresas que operam no agronegócio e varejo brasileiros, além de outros quase US$ 2 bilhões que foram para aquelas que beneficiam carne e soja brasileira na China e na Europa", indica.

Já na Noruega, o levantamento encontrou US$ 292 milhões investidos em empresas operando no Brasil, além de outros US$ 419 milhões para as chinesas e europeias. "Foram pesquisados os valores direcionados pelos maiores bancos operando no país nórdico a partir de fundos de investimento e fundos de pensão que eles oferecem aos seus clientes", revela.

Conscientização do setor financeiro

Para os autores do informe, existe um debate sobre o desmatamento que ganha uma nova direção e que não foca apenas na responsabilidade de governos.

Na avaliação das entidades, a transformação do debate sobre a Amazônia brasileira em um assunto internacional conduziu a novas reflexões. "Dada a fraqueza das medidas de combate por parte do governo, quais são as empresas que obtêm matéria prima oriunda da Amazônia e do Cerrado e como elas podem estar contribuindo para sua destruição? Quem são os financiadores dessas atividades econômicas?", questionam

O setor agrícola não está sendo avaliado por acaso. Para o grupo, 90% da vegetação primária perdida no Brasil nos últimos 35 anos foi devido a atividades agropastoris. "É de se pontuar que boa parte dos produtores agrícolas e pecuários estão em conformidade com a legislação ambiental e trabalhista. Um estudo recente identificou que 62% do desmatamento ilegal na Amazônia está concentrado em 2% das propriedades rurais. No entanto, o modelo predominante ainda é o de expandir a área de pasto e plantação em detrimento do aumento de produtividade, que pouparia a floresta", indicam.


Custos

Na avaliação do grupo, as imagens de incêndios nas florestas brasileiras não criará apenas uma eventual imposição de barreiras comerciais a produtos nacionais no exterior. "A continuidade da conversão desenfreada de matas em pastos e plantações gera potencial redução de investimentos e financiamentos. Ou seja, tanto a demanda pelos produtos quanto os fluxos financeiros que garantem sua oferta estão ameaçados", alertam.

"A potencial redução dos investimentos e financiamentos vem da crescente exigência por parte das instituições financeiras, principalmente estrangeiras. Logo após a repercussão negativa do Dia do Fogo, 230 fundos de investimentos que administram mais de R$65 trilhões pediram ao Brasil que protegesse a Amazônia", lembraram.

"Naquele momento, demonstraram preocupação principalmente com os riscos reputacionais, operacionais e de acesso a mercados das empresas investidas. Em vista da deterioração do cenário, as instituições financeiras aumentaram o tom", indica o estudo.

De acordo com as entidades, em Maio de 2020, respostas insuficientes à problemas socioambientais motivaram um "desinvestimento significativo". "A Eletrobrás e a Vale foram excluídas dos investimentos do fundo soberano norueguês, em grande parte devido às violações sistemáticas de direitos humanos da usina de Belo Monte, no Pará, e aos desastres de Mariana e Brumadinho"; destacam.

As entidades também revelam que, em junho de 2020, investidores que somam mais de US$ 3,7 trilhões em ativos administrados ameaçaram retirar investimentos do Brasil caso medidas urgentes não fossem tomadas. "Na carta enviada a embaixadas brasileiras, as instituições financeiras pontuam seu dever fiduciário de agir conforme os interesses de longo prazo de seus beneficiários e, portanto, "reconhecem o papel crucial que as florestas tropicais têm para amenizar a mudança do clima, proteger a biodiversidade e garantir serviços ecossistêmicos."

Em julho de 2020, JBS foi excluída da carteira de investimentos da gestora de ativos europeia Nordea, após pedidos de maior responsabilidade socioambiental por parte da empresa brasileira não terem gerados os resultados esperados.

Já em agosto, o HSBC soou mais um alarme ao declarar que a gigante da carne não tem "visão, plano de ação, prazo, tecnologia ou solução" para evitar fornecedores indiretos que desmatem.

"As ações mencionadas são preocupantes para a economia brasileira. Promovem a fuga de capitais e investimentos no país como um todo, contribuem para o desequilíbrio da balança comercial e depreciam o produto brasileiro no mercado externo", alertam os autores do estudo.