EUA: em ato raro, diplomatas brasileiros contestam Ernesto Araújo
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Os comentários do chanceler Ernesto Araújo sobre a tentativa de insurreição nos Estados Unidos (EUA) abriram mais uma crise interna no Itamaraty. Na quinta-feira, o ministro das Relações Exteriores havia emitido um comentário sobre a invasão do capitólio que criou um profundo mal-estar. Menos de 24 horas depois, a associação de diplomatas brasileiros respondeu, se distanciando da visão do próprio chefe.
Nas redes sociais, Araújo disse que a invasão deveria ser "lamentada e condenada". Mas seguiu com uma série de comentários interpretados como justificativas e teorias conspiratórias sem qualquer base. "Há que investigar se houve participação de elementos infiltrados na invasão", escreveu.
"Há que reconhecer que grande parte do povo americano se sente agredida e traída por sua classe política e desconfia do processo eleitoral. Há que distinguir "processo eleitoral" e "democracia". Duvidar da idoneidade de um processo eleitoral NÃO significa rejeitar a democracia. Ao contrário, uma democracia saudável requer, como condição essencial, a confiança da população na idoneidade do processo eleitoral", disse.
Ele ainda criticou qualquer tentativa de qualificar manifestantes de fascistas. "Há que parar de chamar "fascistas" a cidadãos de bem quando se manifestam contra elementos do sistema político ou integrantes das instituições. Deslegitimar o povo na rua e nas redes só serve para manter estruturas de poder não democráticas e seus circuitos de interesse", afirmou o chanceler brasileiro, um aliado incondicional do grupo de Donald Trump.
"Há que perguntar, a propósito, por que razão a crítica a autoridades do Executivo deve considerar-se algo normal, mas a crítica a integrantes do Legislativo ou do Judiciário é enquadrada como atentado contra a democracia. Nada justifica uma invasão como a ocorrida ontem. Mas ao mesmo tempo nada justifica, numa democracia, o desrespeito ao povo por parte das instituições ou daqueles que as controlam", afirmou o ministro.
"O direito do povo de exigir o bom funcionamento de suas instituições é sagrado. Que os fatos de ontem em Washington não sirvam de pretexto, nos EUA ou em qualquer país, para colocar qualquer instituição acima do escrutínio popular", completou Araújo.
Violência deve ser repudiada, dizem diplomatas
Nesta sexta-feira, nas redes sociais, a Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros (ADB) respondeu aos comentários do chefe da pasta, ainda que não tenha citado nem o nome do chanceler e nem suas mensagens anteriores. Mas numa instituição marcada por um importante respeito à hierarquia, o ato da associação foi visto como um sinal claro da recusa de parte do corpo diplomático em se submeter à avaliação apresentada pelo chanceler.
"A respeito dos acontecimentos que ocorreram esta semana em Washington-DC, nos EUA, a ADB Sindical registra o entendimento de que manifestações populares são uma dimensão indissociável dos direitos e garantias fundamentais salvaguardados em qualquer regime democrático", disse a ADB.
"Nas democracias, divergências e insatisfações, sobretudo de natureza política, são inerentes à vida em sociedade e devem ser encaminhadas pacificamente pelas vias institucionais democraticamente criadas para esse fim", afirmam. "O recurso à violência deve ser liminarmente repudiado, quaisquer que sejam seus autores", completam.
O recado foi interpretado internamente como um ato de repúdio ao próprio chefe, amplamente criticado por ex-ministros e ex-embaixadores. Isolado no palco internacional, Araújo agora também é alvo de uma contestação clara e pública de seus próprios funcionários.
Antes mesmo de assumir o cargo, o diplomata escreveu que Trump era o único líder que poderia "salvar o Ocidente". Na chefia da pasta, Araújo adotou uma postura de total alinhamento à política externa da Casa Branca.
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