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Jamil Chade

REPORTAGEM

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ONU denuncia governos que disseminam "desinformação mortal" sobre covid-19

24.set.2019 - O secretário-geral da ONU, António Guterres, durante abertura da 74ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York - Carlo Allegri/Reuters
24.set.2019 - O secretário-geral da ONU, António Guterres, durante abertura da 74ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York Imagem: Carlo Allegri/Reuters

Colunista do UOL

22/02/2021 05h23

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Resumo da notícia

  • Guterres ainda criticou a falta de distribuição de vacinas e alertou que o imunizante deve ser considerado como um direito fundamental
  • Para ONU, há uma "pandemia de abusos" no mundo e o impacto social da crise sanitária está "apenas começando"
  • Principal evento de direitos humanos da ONU no ano ainda contará com os ministros Ernesto Araújo e Damares Alves

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, denunciou nesta segunda-feira líderes que impedem o acesso à informação sobre a pandemia da covid-19 que salva vidas e que usam seus cargos para disseminar "desinformação mortal" sobre o vírus. Para ele, há uma "pandemia de abusos" no planeta, incluindo ataques contra a imprensa, contra a democracia e contra mulheres.

O alerta ocorreu na abertura do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e que, nesta segunda-feira, também terá a participação virtual dos ministros brasileiros Ernesto Araújo e Damares Alves. Entre os pontos destacados pelo Brasil estará o trabalho do governo em lidar com a pandemia, o que tem sido alvo de ataques por parte de ativistas de direitos humanos e organizações da sociedade civil.

O evento também ouviu da alta comissária de Direitos Humanos, Michelle Bachelet, um ataque contra governos que limitam o trabalho da imprensa. "O que acabará com esta pandemia - e acelerará uma recuperação duradoura e resiliente - é a aplicação efetiva dos princípios dos direitos humanos, baseada na confiança pública", defendeu a ex-presidente do Chile. "E para construir confiança, deve haver um governo transparente, responsável e inclusivo, fundamentado em uma imprensa livre, instituições democráticas eficazes e uma participação significativa do público nas políticas", disse.

Nem Bachelet e nem Guterres citaram nomes de países. Mas insistiram sobre o fato de que a pandemia tem levado governos a violações de direitos humanos.

"O vírus também está infectando os direitos políticos e cívicos e encolhendo ainda mais o espaço cívico", disse Guterres. "Usando a pandemia como pretexto, as autoridades de alguns países implantaram respostas de segurança e medidas de emergência de mão pesada para esmagar a dissidência, criminalizar as liberdades básicas, silenciar relatórios independentes e restringir as atividades de organizações não governamentais", alertou.

"Defensores dos direitos humanos, jornalistas, advogados, ativistas políticos - e até mesmo profissionais médicos - estão sendo detidos, processados e sujeitos a intimidação e vigilância por criticar as respostas governamentais à pandemia - ou a falta delas", disse. "Restrições relacionadas à pandemia estão sendo usadas para subverter processos eleitorais, enfraquecer as vozes da oposição e suprimir as críticas", apontou.

"O acesso à informação sobre a covid-19 salvadora de vidas foi ocultado - enquanto que a desinformação mortal foi ampliada - inclusive por aqueles no poder", denunciou.

Nos últimos meses, o governo brasileiro foi criticado pela falta de transparência na divulgação de dados sobre a pandemia, além de ter feito promoção em suas redes sociais e discursos de medidas sem comprovação científica. O governo também minou o uso da máscara e, de maneira deliberada, promoveu aglomerações com a presença do presidente Jair Bolsonaro.

Vacinas como direitos humanos

Na avaliação de Guterres, a covid-19 "aprofundou as divisões, vulnerabilidades e desigualdades pré-existentes, assim como abriu novas fraturas, incluindo linhas de falha em direitos humanos".

Uma delas, hoje, é o acesso à vacina, hoje concentrado em apenas alguns países. "O último ultraje moral é o fracasso em garantir a equidade nos esforços de vacinação", atacou. "Apenas dez países administraram 75 por cento de todas as vacinas COVID-19. Enquanto isso, mais de 130 países não receberam uma única dose", alertou.

"A eqüidade da vacina é, em última instância, uma questão de direitos humanos. O nacionalismo de vacinas o nega. As vacinas devem ser um bem público global, acessível e acessível para todos", defendeu.

"Estamos assistindo a um círculo vicioso de violações. As vidas de centenas de milhões de famílias foram viradas de cabeça para baixo - com perda de empregos, dívidas crescentes e queda acentuada na renda", disse. "A doença tem causado um impacto desproporcional nas mulheres, minorias, pessoas com deficiência, idosos, refugiados, migrantes e povos indígenas.

O progresso na igualdade de gênero tem sido retrocedido há anos. A pobreza extrema está aumentando pela primeira vez em décadas", completou.


Grupos de ódio - como supremacistas brancos - são ameaça transnacional

Guterres ainda aproveitou seu discurso para lançar um alerta contra o fortalecimento de movimentos extremistas, muitos dois quais contam com o apoio de governos.

"Devemos também intensificar a luta contra o neonazismo ressurgente, a supremacia branca e o terrorismo de motivação racial e étnica", disse. "O perigo desses movimentos movidos pelo ódio está crescendo a cada dia. Vamos chamá-los como eles são: supremacistas brancos e os movimentos neonazistas são mais do que ameaças de terrorismo doméstico. Eles estão se tornando uma ameaça transnacional", alertou.

Segundo ele, esses grupos têm explorado a pandemia para aumentar sua base através da polarização social e da manipulação política e cultural.

"Hoje, estes movimentos extremistas representam a ameaça de segurança interna número um em vários países. Indivíduos e grupos estão engajados em um frenesi alimentar de ódio - arrecadação de fundos, recrutamento e comunicação on-line tanto em casa quanto no exterior, viajando internacionalmente para treinar juntos e colocar em rede suas ideologias odiosas", destacou.

"Com muita frequência, esses grupos de ódio são aplaudidos por pessoas em posições de responsabilidade de maneiras consideradas inimagináveis não há muito tempo. Precisamos de uma ação coordenada global para derrotar este grave e crescente perigo", defendeu.

Impacto de direitos humanos da pandemia começa agora

O alerta sobre o impacto da pandemia nos direitos humanos também foi feito por Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para Direitos Humanos.

"A pandemia arrancou a máscara das realidades mortais da discriminação; profundas desigualdades; e subfinanciamento crônico de serviços e direitos essenciais, todos ignorados em grande parte por muitos formuladores de políticas", disse. "Demonstrou-se o quanto a negligência dos direitos humanos põe em perigo as sociedades", afirmou.

Para ela, o impacto de saúde da pandemia está longe de ter terminado - e seus efeitos sobre as economias, liberdades, sociedades e pessoas só agora começaram.

"O aumento global da pobreza extrema, acelerando as desigualdades; os retrocessos nos direitos das mulheres e na igualdade; na educação e nas oportunidades para crianças e jovens; e na Agenda de Desenvolvimento Sustentável são choques que podem abalar os fundamentos das sociedades", disse.

"Para combater a pandemia, precisamos reconhecer e reparar as fraturas que têm minado a resiliência de nossas sociedades", defendeu a ex-presidente do Chile.

"Isso significa priorizar a construção ou o reforço de sistemas para proporcionar o direito à saúde e o direito à proteção social - investimentos vitais em apoio social para tudo aquilo que, em muitos casos, foi corroído por décadas de austeridade", alertou.

"Todos nós percebemos que o uso da força não acabará com esta pandemia. Enviar críticos para a cadeia não porá fim a esta pandemia. As restrições ilegítimas às liberdades públicas, o alcance excessivo de poderes de emergência e o uso desnecessário ou excessivo da força não são apenas inúteis e sem princípios. Elas impedem a participação pública na tomada de decisões, que é a base para a elaboração de políticas sólidas", alegou.