Jamil Chade

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Reportagem

Trump faz disparar consultas para deixar EUA e movimento LGBTQI+ vive medo

O choque e a decepção para milhões de americanos ainda ecoam depois da vitória de Donald Trump nas eleições. Mas, para alguns deles, essa frustração está sendo acompanhada por um outro sentimento: o medo.

Nesta semana, uma empresa de consultoria especializada em obtenção de residência no exterior para cidadãos americanos, a Flannery Foster, enviou um email a seus clientes com uma constatação surpreendente até mesmo para quem há décadas trabalha com os trâmites de vistos: desde o dia 5 de novembro, data da eleição, "a demanda aumentou exponencialmente" nos pedidos de ajuda para uma mudança de pais. Ou seja, uma fuga dos EUA sob Trump.

A consultoria, na mensagem, promete um engajamento total para atender a todos e avisa que, para pessoas do movimento LGBTQI+ e mulheres, a tarifa a ser cobrada é o que a pessoa conseguir pagar. "Para homens brancos cis heterossexuais, a taxa é de 100 dólares por hora", explica a empresa.

Ainda que Trump não tenha sequer assumido o governo, a comunidade LGBTQI+ não esconde a angústia.

Durante a campanha eleitoral, aliados de Trump sinalizaram que iriam suspender atendimento de afirmação de gênero para jovens transgêneros. Durante os comícios, um dos pontos frequentemente destacados ela a denúncia sobre como os democratas tinham aberto o caminho para permitir que jovens trans pudessem fazer parte de equipes femininas.

No Projeto 2025, um plano de transição de extrema-direita destinado ao próximo presidente republicano, fica evidenciada a ofensiva contra os direitos dos grupos LGBTQI+. O pacote, desenhado por 140 ex-conselheiros de Trump, sinaliza que um dos objetivos seria censurar discussões acadêmicas sobre raça, gênero e opressão sistêmica, e cortar o financiamento federal para escolas com currículos que abordem estes assuntos. Pelo projeto, os pais teriam controle sobre a escola, sob a alegação de que existe uma "doutrinação política inadequada" das crianças americanas.

O documento ainda traz uma lista de termos que deveriam ser banidos de leis federais, como "orientação sexual", "igualdade de gênero", "aborto" e "direitos reprodutivos".

O plano prevê adotar leis que significariam uma repressão contra pessoas transgênero, ameaçando processar as escolas que protegem os direitos dos estudantes transgênero ou dizendo aos hospitais que perderiam o financiamento se prestassem cuidados médicos.

O documento sugere que o Departamento de Saúde e Serviços Humanos deve "manter uma definição de casamento e família baseada na Bíblia". Apoio para a infância ainda deve estar vinculado com a ideia de que pais se "comprometam a se casar", enquanto projetos devem ter "o casamento como norma".

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Sem mencionar a fonte, o projeto também insiste que "informes das ciências sociais" indicam os benefícios de crianças criadas em "casas heterossexuais" e "com casamentos intactos".

"Todas as outras formas de família envolvem níveis mais altos de instabilidade (a duração média dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo é a metade da duração dos casamentos heterossexuais); estresse financeiro ou pobreza; ou resultados comportamentais, psicológicos ou educacionais piores", afirma o plano.

"Para o bem-estar da criança, os programas devem afirmar que as crianças precisam e merecem tanto o amor e a nutrição de uma mãe quanto a diversão e a proteção de um pai", insiste.

Para o plano, os subsídios de programas sociais "devem estar disponíveis para beneficiários baseados na fé que afirmam que o casamento não é apenas entre dois adultos quaisquer, mas entre um homem e uma mulher sem parentesco".

Não por acaso, o Trevor Project, uma organização que reúne a juventude LGBTQ+ nos EUA, indicou que seu hotline para receber ligações de pessoas em crise ou que precisam de ajuda registrou um salto de 125% nas chamas desde o dia da eleição.

David Linger é um desses americanos que admite viver um medo profundo neste momento. Caminhando para seus 70 anos, o americano vive em Santa Fé, no Novo México. "Estou olhando para a camada de neve que está la fora e confesso que estou perdido. Não sei o que fazer", disse à reportagem.

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David é amigo de Caetano Veloso e Gilberto Gil desde os anos em que os três moraram em Londres, na década de 70. "Caetano colocava um disco de João Gilberto numa vitrola que ele tinha e me fazia ler a letra para aprender português", contou.

David Linger, em retrato
David Linger, em retrato Imagem: Arquivo pessoal

Hoje, David diz viver uma encruzilhada. "Se as coisas piorarem, eu não ficarei", afirmou. O americano sabe o que significa uma perseguição. Judeu, sua família tem origens na Polônia e na República Tcheca. "Muitos morreram nos campos de concentração. Em 1938, porém, insistiam que nada iria ocorrer", lamentou.

Para ele, são os "sinais invisíveis" os que mais preocupam. "Não é uma paranoia", disse.

Casado com Mark, David contou que optou por cancelar uma viagem que fariam para a Luisiana, um estado no Sul com um forte componente ultraconservador. "Não sei mais se vou me sentir em segurança", justificou.

"Eu não sei para onde isso vai caminhar. Abriu-se uma fresta que pode não fechar mais. Não sei o que fazer", admitiu. "Os EUA sempre foram racistas e antissemita, e a maioria branca sempre houve um medo do outro. Hoje, vivemos uma apoteose disso. As pessoas não precisam mais esconder que odeiam o outro", constatou David.

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De fato, o medo não é exatamente de uma ação apenas do governo Trump. Mas a ausência de qualquer medida contra ataques que a comunidade possa sofrer por parte de grupos mais radicais.

Nesta semana, num comunicado, a maior organização de direitos LGBTQ+ dos EUA, a Human Rights Campaign, expressou seu "desgosto" com o resultado das eleições.

"Sabemos que nossa comunidade está se sentindo assustada, irritada e preocupada com o que virá a seguir para eles e suas famílias. Estamos vendo vocês - não há dúvida de que enfrentaremos mais desafios nos próximos anos como parte de nossa luta pela igualdade total dos LGBTQ+", escreveu Kelley Robinson, presidente da entidade.

"Não se engane - não estamos recuando. E vamos continuar nos apoiando uns aos outros e na marcha rumo ao progresso - não importa o que aconteça", disse ela.

A presidente da ong GLAAD, Sarah Kate Ellis, também emitiu um comunicado aconselhando os membros da comunidade LGBTQI+ a recorrer ao apoio da comunidade, caso se sintam ameaçados ou desamparados.

"A comunidade LGBTQ já passou por isso antes, assim como todas as outras comunidades marginalizadas, e a dor é real hoje", disse. "Mas, como vimos desde o Lavender Scare até as revoltas de Stonewall, desde a epidemia de HIV até a derrota e a vitória do casamento, todo colapso pode levar a um avanço", insistiu.

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"Devemos ver este momento de crise como outro catalisador para a mudança. Nossa comunidade sabe como cuidar uns dos outros e como impulsionar nosso país e o mundo", completou.

Para muitos americanos, porém, o momento é de medo.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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