Topo

Jamil Chade

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Países não chegam a acordo sobre patente de vacina; Brasil silencia

                          -                                 DAY SANTOS/JC IMAGEM
Imagem: DAY SANTOS/JC IMAGEM

Colunista do UOL

23/02/2021 12h58

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

As negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre uma possível suspensão de patentes para as vacinas da covid-19 não chegam a um entendimento e o debate vive um impasse. Países como África do Sul e Índia querem que, durante a pandemia, as patentes sejam retiradas dos imunizantes, permitindo que os produtos possam ser fabricados por laboratórios em diferentes locais do mundo, por preços mais baixos.

Hoje, 40% de todas as vacinas do mundo estão apenas nos EUA e na UE. De acordo com a ONU, dez países acumulam 75% das vacinas. Mas os países ricos se recusam a aceitar a ideia de que as patentes devam ser retiradas, alegando que tal gesto não daria resultados.

Numa reunião nesta terça-feira na OMC, o impasse continuou. O Brasil, que em 2020 mantinha seu veto à proposta e era um dos críticos mais vocais contra a ideia, se manteve em silêncio durante a reunião. Diplomatas estrangeiros interpretam a atitude como um gesto do governo para evitar um choque e mal-estar com a Índia. É do país asiático que uma quantidade substancial das doses compradas pelo Brasil virá para imunizar a população brasileira.

A avaliação do governo brasileiro é de que as leis atuais da OMC já permitem que países busquem licenciamento de patentes e que não seria necessário suspender o acordo como um todo. Para os países mais pobres, a pandemia exige uma mudança mais significativa nas regras.

Durante o encontro, governos como o dos EUA, Noruega, Suíça, UE, Canadá e Japão insistiram que suspender patentes não garantiria uma solução para a crise. Já a Santa Sé, citando o papa Francisco, fez uma rara intervenção no debate comercial, insistindo em apoiar a proposta indiana.

Para os países em desenvolvimento, o que existe é uma estratégia deliberada desses governos de arrastar o debate e, assim, impedir qualquer acordo.

A delegação da África do Sul, por exemplo, lamentou que a discussão continuasse atolada nos mesmos desate e reiterou que era hora de passar para discussões baseadas em texto de acordo com urgência.

"Não podemos colocar o vírus de volta no frasco, simplesmente não podemos voltar ao velho normal", disse a África do Sul. O país compartilhou algumas estatísticas: de acordo com os dados disponíveis, os EUA, o Reino Unido e a UE respondem por cerca de 30% das mais de 200 milhões de vacinas administradas globalmente, e os países que se opõem à proposta de isenção de patentes respondem por 60% das vacinas COVID-19 administradas globalmente.

Com 113 países ainda sem receber vacinas, a África do Sul observou que o modelo de doação não resolve. "O problema da filantropia é que ela não pode comprar igualdade", ressaltou o delegado sul-africano.

Para a Índia, se o vírus for permitido se espalhar como fogo selvagem entre os países emergentes, ele irá sofrer mutações repetidas, e isso pode prolongar significativamente a pandemia, permitindo que o vírus volte a assolar os países ricos.

Segundo os indianos, os próprios países que rejeitaram a suspensão de patentes e rejeitaram o alerta que haveria escassez de vacinas agora estão enfrentando escassez em suas jurisdições, mesmo depois de terem negociado com sucesso acordos avançados de compra.

A Índia fez uma provocação e pediu que os países desenvolvidos explicassem por que eles intervieram para suspender o transporte aéreo no início da pandemia, mas parecem ver como sacrossanto os interesses comerciais de apenas poucas empresas farmacêuticas.

Para os indianos, não foram as patentes que permitiram o desenvolvimento rápido das vacinas. Mas também o financiamento público, o apoio institucional em termos de contribuições de pesquisa por universidades públicas, a colaboração global no compartilhamento de dados de sequenciamento genômico e informações de saúde pública