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Diplomacia age nos bastidores para blindar interesses das farmacêuticas
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Incapaz de conseguir as vacinas que esperava obter, o governo de Jair Bolsonaro passou a defender em diferentes fóruns internacionais a ideia da transferência de tecnologia e, assim, ampliar a produção mundial dos imunizantes. Mas sem permitir que propostas que promovem a quebra de patentes possa ganhar força, atendendo aos interesses do setor farmacêutico.
O posicionamento brasileiro tem sido constante em negociações na ONU, na Organização Mundial da Saúde e na Organização Mundial do Comércio, dividindo países e opiniões.
Conforme a coluna revelou com exclusividade em outubro de 2020, o Itamaraty se recusa a apoiar a proposta de mais de cem países em desenvolvimento para quebrar patentes de remédios e vacinas, rompendo uma postura tradicional do Brasil na defesa do direito ao acesso à saúde.
Mas se inicialmente o governo havia tomado uma postura intransigente, a opção agora é por um caminho intermediário que permita um maior acesso aos produtos. Mas sem que isso signifique uma ruptura com seus anseios de ser visto como parte dos países próximo da OCDE.
A proposta é de que, ao promover a ideia de um compartilhamento de tecnologia, laboratórios pelo mundo que hoje não estão sendo usados poderiam ajudar na fabricação da vacina e garantir um maior acesso aos produtos. As patentes, porém, não seriam quebradas e as empresas que desenvolveram as vacinas continuariam a ser compensadas por seus investimentos.
Nesta semana, em Genebra, a posição brasileira ficou clara nas negociações para uma resolução que será votada no Conselho de Direitos Humanos da ONU no final de março. Em reuniões fechadas, o Itamaraty fez questão de fazer acenos tanto aos demais países em desenvolvimento como aos interesses das grandes multinacionais.
A diplomacia defendeu que trechos inteiros da resolução fossem modificados para incluir referências diretas à necessidade de que países em desenvolvimento sejam considerados no acesso às vacinas. "O espirito desse texto é ajudar os mais pobres, garantindo que eles também tenham acesso às vacinas", disse uma negociadora brasileira aos demais países durante a reunião.
"O que vemos agora é uma enorme concentração de vacinas nos países ricos e o que deveríamos garantir aqui é que todos tenham esse direito", apontou. "Nessa linha, precisamos adicionar que todos, em especial os países em desenvolvimento, tenham acesso", sugeriu.
Se o discurso poderia parece "radical", o caminho adotado também sinalizava que não haveria ruptura com os países ricos. Durante o debate, no qual os países ricos insistiram que não aceitariam qualquer proposta sobre a queda de patentes, a negociadora brasileira sugeriu "acomodar" as preocupações de europeus e americanos, incluindo no texto uma linguagem explícita de proteção às patentes. Assim, segundo ela, haveria um "equilíbrio" entre o que querem desenvolvidos e economias emergentes.
Na mesma semana, a missão do Brasil na OMC adotou um tom similar em uma outra negociação, desta vez no setor comercial. Em reuniões fechadas, diplomatas brasileiros rejeitaram a ideia de suspender de forma completa as patentes. Mas insistiram que, dentro dos acordos já existentes, há espaço para prever licenças compulsórias.
O governo ainda deixou claro que está satisfeito com os esforços da nova diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, para buscar "iniciativas pragmáticas" para ampliar a produção de vacinas e "facilitar a transferência de tecnologia, dentro dos acordos multilaterais".
A meta do Brasil é a de tentar conduzir a direção da entidade a não falar sobre quebra de patentes, mas estipular um espaço para permitir que acordos sejam fechados entre as grandes farmacêuticas e laboratórios na América Latina ou Ásia.
Ainda em fevereiro, o governo brasileiro também elevou o tom e passou a criticar governos que acumularam vacinas e sugeriu a abertura de um diálogo sobre como garantir licenças para que laboratórios em diversas partes do mundo possam também fabricar os imunizantes. Uma vez mais, porém, sem quebrar patentes.
Um dos locais de debate foi o Conselho do ACT Accelerator, um mecanismo criado pela OMS para garantir o desenvolvimento e distribuição de vacinas e tratamentos contra a covid-19 para países mais pobres.
Em sua intervenção, a embaixadora do Brasil Maria Nazareth Farani Azevedo indicou que havia chegado o momento de se falar abertamente na possibilidade de que produtores de vacinas permitam negociações para garantir licenças para que outros laboratórios do mundo possam também produzir os imunizantes.
"Esse é o momento de expandir a produção de vacinas para todos os lugares. Esse é o momento de falar em produção local. Esse é o momento para falar sobre mecanismos existentes, tais como licenciamentos para ampliar a produção local e para melhorar o acesso às vacinas", defendeu.
Atitude divide opiniões
Se a postura do Brasil é uma forma de não trair sua posição contrária à quebra, não romper com os países ricos e nem com a ideologia econômica do governo, a proposta de lidar com uma pandemia apenas com a transferência de tecnologia é considerada como insuficiente por parte dos países em desenvolvimento, pela Organização Mundial da Saúde e até pelo Vaticano.
Numa recente reunião na OMC, a delegação sul-africana foi explícita em alertar que esse não seria um caminho. "Nunca vi tecnologia ser transferida", ironizou o diplomata.
A África do Sul ainda disse que exemplos recentes mostraram a "hipocrisia" de governos que defendem que haja apenas acordos de transferência de tecnologia, sem a quebra de patentes. De acordo com eles, países como Rússia, Colômbia, Indonésia ou Hungria foram duramente pressionados ao sugerir que poderiam usar licenças compulsórias para remédios relacionados com a pandemia.
Já os países ricos, como UE e Canadá preferem apostar na transferência de tecnologia como forma de desarmar qualquer tentativa de quebra de patentes.
Já o Reino Unido insiste que a proposta traz resultados, já que o caminho foi o mesmo adotado pela AstraZeneca para permitir que a vacina seja produzida em instituições parceiras na China, México, Brasil, Rússia, Coreia do Sul ou na Índia.
Para os indianos, porém, se essa estratégia tivesse funcionado, o mundo não estaria vivendo a atual escassez de vacinas.
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