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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Depois de encontro com Netanyahu, Itamaraty assume defesa de Israel na ONU

06.mar.2021 ? Comitiva de dez pessoas vai a Israel em busca de acordos para vacina e spray contra coronavírus - Reprodução/Twitter/Ernestofaraujo
06.mar.2021 ? Comitiva de dez pessoas vai a Israel em busca de acordos para vacina e spray contra coronavírus Imagem: Reprodução/Twitter/Ernestofaraujo

Colunista do UOL

23/03/2021 09h18

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Resumo da notícia

  • Brasil foi um dos poucos países a votar contra resolução na ONU que pedia proteção de direitos humanos nos territórios palestinos
  • Em um gesto raro, Itamaraty foi quem tomou a liderança na proteção de Israel na ONU e pediu que o texto fosse submetido à votação

Duas semanas depois de uma visita de representantes do governo de Jair Bolsonaro para Israel, os resultados da viagem começam a ficar claros. Nesta terça-feira, o Brasil retribuiu a recepção que sua delegação teve em Jerusalém com um voto a favor dos israelenses numa resolução no Conselho de Direitos Humanos da ONU, agiu como porta-voz do governo de Benjamin Netanyahu e contra os palestinos.

Além disso, de forma pouco comum, o Itamaraty assumiu a tarefa de proteger os aliados israelenses sendo o governo que pediu a palavra para requisitar que a iniciativa fosse submetida a um voto.

Na diplomacia, tal postura é assumida exclusivamente por um aliado. Como Israel não faz parte do Conselho, o acordo fechado estabeleceu que seria o Brasil que falaria em nome do país acusado.

A resolução proposta por países árabes se refere à situação de direitos humanos nos territórios palestinos ocupados, incluindo Jerusalém Oriental. O documento ainda estipula a necessidade de se garantir Justiça diante das violações. Todos os latino-americanos e praticamente todos os países europeus votaram a favor do texto.

A resolução foi aprovada por 32 votos a favor, oito abstenções e apenas seis contra, entre eles o Brasil. Além do governo de Jair Bolsonaro, votaram em defesa de Israel países como Togo, Malawi, Áustria, Bulgária e Camarões.

Coube ainda ao Itamaraty liderar a blindagem aos israelenses. A delegação brasileira pediu nesta terça-feira a palavra durante o encontro para que a comunidade internacional submetesse a questão a um voto, algo que o Itamaraty raramente solicitou. Do lado das autoridades palestinas, o recado foi claro: quem vota contra essa resolução ou opta pela abstenção não pode pressionar por justiça "em nenhuma parte do mundo".

Ao justificar sua posição, a delegação brasileira explicou que continua apostando em um acordo de paz entre palestinos e israelenses. O Itamaraty também se diz comprometido com o direito internacional e apoia a autodeterminação do povo palestino.

O governo Bolsonaro ainda indicou que avalia que é importante que o Conselho da ONU continue a monitorar a situação na região. Mas "lamentou" o caráter "profundamente parcial e desigual" do texto submetido. Para o Itamaraty, a resolução denuncia apenas Israel, sem falar por nome de outros grupos palestinos que poderiam ter cometido crimes.

Além disso, o governo alerta que considera que termos como "crimes contra a humanidade ou crimes de guerra não tem lugar" no texto.

No ano passado, essa resolução era dividida em duas. Uma delas lidava com a situação de direitos humanos nos territórios ocupados, enquanto a segunda tratava da necessidade de que Justiça fosse feita. Na primeira, o Brasil apoiou. Já na questão de combater a impunidade, o Itamaraty optou em 2020 por uma abstenção.

O Brasil, porém, era um dos países que se queixava do comportamento dos países árabes, insistindo que existia um excesso de resoluções contra Israel e que elas deveriam ser consolidadas.

O pedido do Itamaraty e de outros governos foi atendido e os palestinos aceitaram flexibilizar sua postura. A decisão foi a de juntar os dois textos num só, num gesto por parte dos países árabes.

Mas, exatamente quando um dos lados concedeu, o Itamaraty optou por mudar sua postura e votar contra a resolução, pela primeira vez.

O voto contra o interesse dos palestinos ocorre depois que o chanceler Ernesto Araújo, o deputado Eduardo Bolsonaro e outros membros do governo estiveram em Jerusalém. Oficialmente, a viagem tinha como objetivo aproximar a posição dos dois países na luta contra a covid-19.

Mas, mesmo no comunicado emitido naqueles dias, ficou claro que o objetivo era mais amplo. Na declaração do dia 7 de março, o governo de Israel "expressou o profundo apreço pela posição consistente e de princípio do Brasil de que a abertura de uma investigação no Tribunal Penal Internacional é um desserviço à causa da justiça, o que enfraquecerá as perspectivas de um acordo negociado para o conflito israelense-palestino".

Dias antes, a corte em Haia havia anunciado que, pela primeira vez, estava abrindo investigações oficiais contra responsáveis israelenses.

O texto do comunicado conjunto ainda dizia que os dois países "concordaram em fortalecer sua coordenação em fóruns multilaterais, incluindo o Conselho de Direitos Humanos".

Duas semanas depois, essa coordenação ficou clara. Num discurso na ONU, a delegação brasileira insistiu que continua apostando em um acordo de paz e que está disposto a dialogar com ambos os lados. Mas alegou que não poderia apoiar a resolução por ser "parcial" e apenas apontar o dedo contra Israel.

O governo do Paquistão, ao apresentar a resolução, alertou para as graves violações de direitos humanos nos territórios palestinos. "Temos de acabar com a impunidade", defendeu. "O texto tenta garantir a proteção a civis", insistiu a delegação paquistanesa, em nome dos países da Organização da Cooperação Islâmica.

Já o governo austríaco, em nome da UE, aplaudiu a decisão de reduzir o número de resoluções sobre a questão palestina. Alemanha e França apoiaram os palestinos, além da Coreia do Sul e Japão, além dos governos da Argentina e outros da região.

Mas o governo de Israel insiste que a proposta "não reflete a realidade" e que "o texto aprofunda a polarização". Os israelenses ainda acusam o texto de não citar por nome o grupo Hamas e nem a violência por parte de grupos palestinos.

O texto pede que Israel abandone os territórios palestinos ocupados desde 1967, solicita que os responsáveis por violações sejam levados à Justiça, condena Israel por não cooperar com a ONU em investigações, pede o fim da construção de colônias, o bloqueio contra Gaza, condena ataques por parte de Israel contra civis e ainda pede que vacinas contra a covid-19 cheguem aos palestinos.

A resolução também aponta as restrições impostas por Israel para que cristãos e muçulmanos possam ter acesso a locais sagrados. Mas o texto ainda condena os ataques de foguetes contra áreas civis em Israel e pede o "fim de todas as ações de milícias e grupos armados", numa referência aos palestinos.

Votos começaram a mudar em 2019

O Brasil começou a modificar seus votos na ONU já no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro. Em 2019, a coluna revelou como a diplomacia brasileira apoiou Israel em votações na Assembleia Geral das Nações Unidas. Naquele momento, porém, o 4º Comitê da ONU considerou um total de oito resoluções contra Israel.

O Brasil foi um dos 11 países que votaram contra uma resolução que pedia investigações sobre possíveis abusos de direitos humanos por parte de Israel contra o povo palestino. A resolução foi aprovada com 82 países dando seu apoio; 78 países se abstiveram.

O Brasil, porém, se aliou a um pequeno grupo de países, todos alinhados aos EUA, como Austrália, Canadá, Colômbia, Nauru e Micronésia, além de Israel.

Mas em diversas resoluções, a opção do governo era ainda por manter uma postura tradicional ou se abster. Isso ocorreu em uma resolução que condenava os assentamentos israelenses em partes de Jerusalém, no território palestino e nas colinas de Golã.

Uma resolução específica sobre a ocupação das Colinas de Golã também foi aprovada, com 155 votos a favor. Mas o Brasil optou pela abstenção.

Numa resolução que tratava das propriedades e receitas dos palestinos, o Brasil se absteve, ao lado de outros oito governos. Em outras quatro resoluções, porém, o Brasil manteve a tradição e votou ao lado dos palestinos.

O Brasil votou a favor de uma resolução que instava os governos a manter a ajuda aos refugiados palestinos. Nesse caso, apenas Israel e EUA votaram contra. O Brasil também apoiou uma resolução para dar assistência às pessoas deslocadas como resultado dos acontecimentos de 1967. Também contou com o voto brasileiro uma resolução que dava apoio aos trabalhos da ONU para ajuda humanitária aos palestinos no Oriente Médio.