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Jamil Chade

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

OMS: Pandemia e vacina criam dois mundos e aprofundam disparidades

Profissional do Samu aguarda atendimento com paciente com covid-19 dentro de ambulância na frente do Hospital e Pronto Socorro 28 de Agosto, em Manaus (AM) - EDMAR BARROS/ESTADÃO CONTEÚDO
Profissional do Samu aguarda atendimento com paciente com covid-19 dentro de ambulância na frente do Hospital e Pronto Socorro 28 de Agosto, em Manaus (AM) Imagem: EDMAR BARROS/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

19/05/2021 04h04

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Resumo da notícia

  • Novos números da OMS revelam quedas significativas de casos na Europa e EUA, com restrições e vacinas
  • Nos países em desenvolvimento, taxas de contaminação e mortes continuam elevadas e cobertura de vacinas é insuficiente
  • OMC já teme que disparidade se aprofunde e que regiões como América Latina e África sofram para iniciar uma recuperação econômica
  • G-20 fracassa em chegar a acordo sobre suspensão de patentes, enquanto Índia indica que volta a exportar doses para OMS apenas no final de 2021

Nos EUA, máscaras começam a ser retiradas. Na França, moradores recebem informações sobre como suas academias de ginástica reabrem. Na Suíça, os restaurantes voltaram a aceitar reservas em suas terraços, enquanto Portugal orgulhosamente diz que está aberto a turistas de alguns países a partir das próximas semanas.

Se a vida lentamente começa a ser retomada em alguns locais do mundo, os dados revelam que a crise é ainda intensa, as mortes aumentam e o coronavírus continua a se expandir em outras regiões.

Um ano e quatro meses depois da eclosão da emergência global por causa da pandemia de covid-19, a OMS constata que existem dois mundos diferentes: num deles, depois de meses de restrições e ampla vacinação, a transmissão do vírus começa a perder força. Em outro, porém, a escassez de doses e a incapacidade de adotar medidas de controle impediram ainda qualquer sinal de controle do vírus.

De acordo com os dados da entidade, a última semana registrou:

  • uma queda de 12% em número de novos casos no mundo e
  • uma redução de 5% em número de mortes.

Os números absolutos ainda são elevados, com 4,8 milhões de novos infectados no mundo e 86 mil mortes em uma semana. A taxa é duas vezes superior ao que se registrava em novos casos em fevereiro.

Mas a queda, ainda que comemorada na OMS por ser a segunda semana seguida de retração, não ocorreu de forma homogênea pelo mundo.

Na França, por exemplo, houve uma queda acentuada de 24% em novos casos em apenas uma semana. Na Alemanha, a redução foi de 29%, contra 21% de redução nos EUA. Na UE, os dados da OMS revelam uma redução de 26% em novas contaminações, além de contração de 16% em mortes em uma semana.

Uma situação bastante diferente é registrada na Índia, com um aumento de mortes de 4% na última semana. Os casos caíram em 12%. Mas ainda somam 2,3 milhões de novas contaminações, metade de todos os casos do mundo em sete dias. Na região asiática, a situação é ainda dramática em locais como o Nepal, com alta de 266%.

No Brasil, houve na semana passada um aumento ainda de 3% nos registros de novos contaminados, ainda que as mortes tenham sido reduzidas em 12%. Outros países da América Latina vivem também uma realidade de expansão de casos e de morte, como na Argentina e Colômbia, com taxas que variam entre 6% e 8%. No continente africano, os óbitos também aumentaram em 9%.

A disparidade não se limita à circulação do vírus. Hoje, existem dois ritmos diferentes na imunização. De acordo com a Federação Internacional da Cruz Vermelha, a vacinação nos países ricos é 27 vezes maior que a taxa de proteção nos países mais pobres.

Hoje, na África, de cada 100 pessoas, 1,6 recebeu uma dose. A taxa é 30 vezes menor que nos países da América do Norte.

Diante dos números, portanto, a OMS não esconde sua irritação por causa do comportamento de governos de países ricos que, com estoques de vacinas, já deixaram de imunizar a população mais vulnerável e já passaram a oferecer doses para jovens a partir de 18 anos de idade.

De acordo com Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da agência, países em desenvolvimento continuam a não ter vacinas nem para proteger todos os profissionais de saúde. Os 40 países mais pobres do mundo, por exemplo, receberam apenas 0,3% das mais de um bilhão de doses já produzidas.

O que preocupa a agência é que a aposta de fornecimento de vacinas da Índia para a Covax —o mecanismo de distribuição de doses— se mostrou um fracasso. Com a explosão da pandemia no país, a produção local teve de abastecer o mercado doméstico, deixando a OMS sem opções e gerando uma escassez de mais de 140 milhões de doses até o final de maio para os países mais pobres.

Índia se volta a fornecer vacinas no final de 2021

Nesta terça-feira (18), o Instituto Serum da Índia indicou que apenas espera voltar a fornecer doses para a OMS no fim de 2021. A informação caiu como uma bomba na administração da entidade, que já teme que a meta de vacinar 20% dos países mais pobres até o fim do ano está ameaçada.

A esperança da OMS é de que países ricos se comprometam com doações de vacinas. Mas os volumes ainda são insuficientes. Mesmo com os americanos sinalizando 60 milhões de doses, isso não seria suficiente sequer para um país como a Nigéria ou Paquistão.

G-20 não chega a acordo

Outro golpe contra os planos da OMS foi a incapacidade de o G-20 chegar a um acordo sobre a suspensão de patentes de vacinas. Na sexta-feira (21), o grupo reúne seus ministros da Saúde para uma cúpula sobre a pandemia. Mas, no rascunho da declaração final, a ideia de uma suspensão de patentes não prosperou, mesmo apoiada pelos EUA, Índia, África do Sul e China.

A recusa veio de europeus, que insistiram que apenas poderiam aceitar uma referência à necessidade de uma transferência de tecnologia sob bases voluntárias.

Tampouco houve um acordo sobre um compromisso para garantir o pleno financiamento dos mecanismos da OMS para a distribuição de vacinas. Tedros, nesta semana, alertou que a agência não havia conseguido recursos suficientes para 2021 e apontava que o problema não era a falta de dinheiro no mundo. "O problema é a falta de interesse político", disse.

Sem vacinas e com casos ainda em alta, países em desenvolvimento poderão viver uma maior dificuldade para retomar seu crescimento econômico. O temor é de Ngozi Iweasa, a nova diretora da OMC e que deixou claro, nesta semana, que a recuperação de regiões como a africana e sul-americana pode ser prejudicada, aprofundando a distância entre outros polos de poder e esses continentes.