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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Sem Ernesto e Trump, Brasil modera postura sobre Cuba na ONU

24.set.2019 - Bolsonaro na ONU - REUTERS/Lucas Jackson
24.set.2019 - Bolsonaro na ONU Imagem: REUTERS/Lucas Jackson

Colunista do UOL

23/06/2021 16h16

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Resumo da notícia

  • O Brasil tradicionalmente apoiou uma condenação contra o embargo americano. Mas mudou de postura em 2019, pela 1ª vez na história
  • Agora, Itamaraty modera a postura e, apesar de não voltar a apoiar a resolução como quase todos os países do mundo, optou por uma abstenção
  • Além do Brasil, apenas Colômbia e Ucrânia se abstiveram; EUA e Israel votaram contra.
  • 184 governos apoiaram o fim das sanções, inclusive toda a UE

Sem Donald Trump e sem Ernesto Araújo, o Brasil se aproxima de sua postura tradicional na diplomacia e opta por se abster no voto na ONU sobre o texto de condenação ao embargo americano sobre Cuba. Mas, ainda assim, o país fica fora de praticamente um consenso mundial contra as sanções.

A resolução, como de costume, foi aprovada por 184 a favor, três abstenções e dois votos contra, EUA e Israel. Além do Brasil, Colômbia e Ucrânia optaram pela abstenção.

Em 2019, pela primeira vez em 27 anos, o Brasil votou contra a resolução. O texto, que tradicionalmente é apresentado todos os anos, ainda pedia o fim do embargo dos EUA contra Havana. Historicamente, os diferentes governos brasileiros sempre apoiaram o texto.

Em 2019, 187 países votaram pelo fim do embargo econômico, praticamente um consenso. Tradicionalmente, apenas americanos e israelenses votavam contra a proposta. Há dois anos, pela primeira vez, o governo de Jair Bolsonaro também fez parte do grupo, que conta com apenas três países.

Naquele momento, dois países ainda optaram pela abstenção: Colômbia e Ucrânia, ambos aliados americanos. Nem governos de extrema-direita como a Hungria e Polônia optaram por votar contra a resolução. Na América Latina, Chile e outros países de direita tampouco seguiram o padrão de voto brasileiro. Tradicionais aliados americanos na Europa ou Ásia também ignoraram os pedidos americanos.

O assunto, de fato, foi alvo de amplo debate interno no Itamaraty. Já em 2019, a missão do Brasil na ONU, em Nova Iorque, chegou a sugerir que, se uma mudança tivesse de ser realizada, a opção fosse pela abstenção. Mas, pressionado pelo governo americano, o governo Bolsonaro cedeu e aceitou a um pedido da Casa Branca. Washington tentou convencer outros aliados. Ninguém, salvo Israel e o Brasil, atendeu ao pedido de Donald Trump.

Agora, com Trump fora e com o chanceler Carlos França tentando recuperar alianças com governos de diversas regiões do mundo e, para isso, optou por resgatar alguns dos princípios que sempre nortearam a diplomacia brasileira. Uma delas é a manutenção de diálogo e o respeito pelo direito internacional.

Mas fontes no governo confirmaram à coluna que dois fatores pesavam nessa escolha. Naquele momento, em 2019, o governo acreditava que precisava confirmar um alinhamento total do Itamaraty com o posicionamento da Casa Branca. Com a derrota de Trump, porém, essa pressão perdeu força.

Mas outro fator que pesou foi o público interno brasileiro. O ex-chanceler Ernesto Araújo teria buscado uma forma de sinalizar que estava alinhado com o discurso anti-comunista de Bolsonaro. O voto de 2019, portanto, fortalecia a posição do então ministro dentro do governo e ainda sinalizava à base mais radical do bolsonarismo.

Agora, para tentar manter a base bolsonarista, o Brasil evitou apoiar Cuba. Mas, segundo diplomatas, pelo menos não votou contra o texto.

Em seu discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU em 2019, Bolsonaro deu especial atenção à suposta ameaça que Cuba representa e insistiu sobre a necessidade de lutar contra o socialismo. Autoridades de alto escalão das Nações Unidas confessaram que, ao escutar aquelas frases, voltaram a se sentir nos anos 60 e 70. "Eu pensei que estava sonhando", brincou um dos mais altos dirigentes da entidade, em condição de anonimato.

Punho

Poucos dias depois, Araújo mandaria instruções escritas de seu próprio punho para diplomatas em Genebra, na ONU. Nela, ele pedia que o Brasil evitasse votar a favor de resoluções propostas por Cuba, mesmo quando estivesse de acordo com o tema. Mas ele foi além e também instruiu que a delegação brasileira pedisse a palavra para atacar verbalmente Havana.

Diplomatas brasileiros tentaram convencer Brasília de que tal postura não seria necessária. Mas a ordem do gabinete foi a de iniciar o bate-boca. Cuba acabou respondendo e chegou a ser felicitada por países europeus pela forma pela qual rebateu as críticas brasileiras.