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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Brasil terá de fazer reformas em sua política ambiental para entrar na OCDE

AFP
Imagem: AFP

Colunista do UOL

08/07/2021 06h01

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Resumo da notícia

  • Informe da entidade irá apontar falhas na política ambiental do país e sugerir reformas
  • Documento deverá servir de base para uma futura adesão do Brasil à OCDE
  • Entidade critica propostas de flexibilidade do licenciamento ambiental e desmatamento

Principal ambição da política externa do governo de Jair Bolsonaro, a OCDE conclui que o Brasil terá de fazer profundas reformas em sua política ambiental e na direção tomada pelo país na implementação de leis e padrões internacionais.

Num informe elaborado pela entidade, fica evidente que, para sonhar com uma eventual adesão ao grupo formado por economias desenvolvidas, o governo terá de reavaliar sua estratégia de biodiversidade e ambiental. O documento, portanto, é mais um fator de pressão internacional sobre o Brasil, num momento em que a diplomacia caminha para a reta final de negociações sobre um acordo climático na cúpula em Glasgow, em novembro.

O documento ainda vem em um momento de dúvidas da comunidade internacional sobre o compromisso real do país com metas climáticas e ações contra o desmatamento.

Como oficialmente a adesão do Brasil ainda não foi avaliada pelo conselho da organização, não se pode considerar o documento como uma condição legal para entrar na organização. Mas como o processo de acesso à OCDE envolve obrigatoriamente a avaliação de alinhamento do país com os instrumentos legais da organização, a percepção interna é de que as conclusões serão usadas como base para futura avaliação do ingresso do Brasil.

Na prática, o relatório é uma agenda de reformas que o Brasil terá de cumprir para que seja aceito na entidade.

A OCDE avaliou o alinhamento do Brasil como os instrumentos legais, considerados como os mecanismos centrais da organização na área ambiental. O relatório se baseia em uma série de comunicações com o Ministério do Meio Ambiente, a missão brasileira junto à OCDE em Paris, e dados independentes coletados pela organização.

No total, foram avaliados 48 requisitos. O Brasil foi considerado como alinhado em 19 requisitos (40% do total), e como total ou parcialmente desalinhado em 29 requisitos (60%) - somando as 5 avaliações de não alinhado (10%), as 4 de pouco alinhado (8%), e as 20 de parcialmente alinhado (42%).

Apesar da importância do documento, fontes próximas ao processo de avaliação revelaram que o governo brasileiro fez pressão para que não houvesse um evento público dedicado ao tema.

Biodiversidade

O Brasil ainda foi criticado por não controlar o desmatamento da Amazônia. Constatou-se que mecanismos repressivos bem-sucedidos na proteção a áreas de grande biodiversidade (como Unidades de Conservação e Terras Indígenas) estão sendo desmontados, com consequente aumento do desmatamento. O informe ainda aponta que há um grande desafio na aplicação da consulta livre, prévia e informada a comunidades tradicionais para divisão justa dos benefícios da biodiversidade. A perda de biodiversidade não é precificada adequadamente no licenciamento ambiental de grandes projetos.

Um dos aspectos citados é a questão do licenciamento ambiental. Dos 7 pontos avaliados, o Brasil está alinhado com as orientações da OCDE em apenas dois deles. Para a entidade, o licenciamento ambiental dificilmente consegue mudar projetos públicos ou em concessão pública quando já estão aprovados pelo governo. A implementação de condicionantes também não é monitorada e não há análise ambiental de projetos e planos governamentais de longo prazo.

"O Brasil não conseguiu corrigir problemas com a avaliação do impacto ambiental ou reforçar a integração de considerações ambientais nas políticas e planos públicos. Subsistem lacunas na implementação do princípio do poluidor-pagador, prevenção e controle integrados da poluição, e desempenho ambiental de instalações públicas", constata.

A OCDE ainda cita de forma explícita o projeto de lei geral de licenciamento, aprovado pela Câmara. Na avaliação da entidade, a lei gera a simplificação excessiva e brechas de implementação, indo em direção contrária às necessárias eficiência e efetividade do processo de licenciamento.

"O Brasil tem um quadro legislativo abrangente e consistente para a conservação da biodiversidade e utilização sustentável. Contudo, as crescentes taxas de desmatamento e outras fortes pressões sobre o uso das riquezas naturais do Brasil exigem mais esforços a todos os níveis de governo para implementar estes rigorosos requisitos", disse.

"Instrumentos econômicos para a proteção da biodiversidade, tais como pagamentos por serviços ecossistémicos e compensações da biodiversidade, continuam a ser amplamente utilizadas, mas nem sempre de forma eficaz", alerta o documento.

Em muitos casos, o Brasil chega a ter leis consideradas como adequadas. Mas sua implementação não condiz com os critérios. "A adoção, em 2015, de uma lei sobre a partilha equitativa dos benefícios da biodiversidade requer a devida consideração dos interesses das tradicionais comunidades. Esta lei é um feito notável, mas a sua implementação requer mais atenção", diz.

O relatório mostra que o Brasil desenvolveu uma legislação sólida em matéria de informação ambiental, água e gestão de resíduos, e biodiversidade. "No entanto, são necessários mais esforços para traduzir as disposições legais em práticas eficazes de promoção da sustentabilidade", alerta.

Numa conclusão geral, a OCDE indica que o governo tem como atingir as exigências estabelecidas pela entidade. Mas alerta que o país deixou de cumprir ou ignorou muitas das recomendações que a própria organização fez ainda em 2015, em seu último exame.

"Enquanto em geral o Brasil ainda não está alinhado com as normas ambientais da OCDE e com as boas práticas, a legislação ambiental extensiva e uma sociedade civil ativa colocam o Brasil numa boa posição para alcançar um grau aceitável de alinhamento", diz.

"Para conseguir isso, o Brasil precisa de melhorar e empregar mais eficazmente as políticas que o país tem já começou a desenvolver-se. Em muitas áreas políticas, a legislação e os regulamentos coincidem e por vezes vão para além das disposições das Recomendações pertinentes da OCDE sobre o ambiente. Como já assinalado em 2015, o desafio que se coloca é o de pôr as disposições legais em prática. Trata-se de uma questão de assegurar recursos financeiros e humanos suficientes, melhorando a coordenação entre os níveis de governo e assegurar a implementação eficaz da política, incluindo a garantia de conformidade, a nível subnacional", completam.

Entre os vários pontos, um dos temas avaliados é a performance ambiental de órgãos públicos. Constatou-se que não há objetivos e metas claros de redução de uso de recursos em instalações governamentais e em licitações públicas.

A OCDE também aponta que o uso de instrumentos econômicos como tributação, precificação de recursos e pagamento por serviços ambientais são utilizados em larga escala. Porém, a tributação de energia e transporte não é alinhada com objetivos ambientais, e algumas atividades nocivas deveriam ser tributadas, como o uso de pesticidas.

Também se questiona o fato de que os dados sobre meio ambiente (desmatamento e informativos sobre emissão de poluentes) são publicados de forma intermitente, não sistemática e com metodologias pouco claras. Além disso, em algumas instâncias, os dados são abertos a possíveis fraudes.

Foi identificado um vazio de implementação de comitês de bacias hidrográficas nas regiões Norte e Centro-Oeste. A OCDE constata que houve progresso na cobrança de uso da água por empresas que são grandes consumidoras, mas ainda é necessário aumentar o valor da cobrança e melhorar critérios de precificação, para estimular um uso mais eficiente. Há problemas também no monitoramento de pesticidas na água.

Princípio do poluidor-pagador

A concessão de subsídios bilionários a combustíveis fósseis e pesticidas foi considerada como injustificada pelos padrões da OCDE. Hoje, o subsídio a fósseis corresponde a 10 bilhões de reais anuais (1,4% da receita fiscal brasileira), enquanto o subsídio a pesticidas corresponde a no mínimo 1 bilhão de reais anuais, segundo o TCU. Já a recuperação de áreas degradadas após acidentes ambientais foi considerada lenta.

Também se criticou a ausência de Avaliação Ambiental Estratégica nos planos nacionais de produção de energia. Há pouco incentivo para eficiência energética e o sistema de precificação de energia não inclui os danos ambientais causados por sua produção.

A legislação existente para resposta a vazamentos de petróleo não é adequadamente implementada. Porém, a matriz energética tem ampliado o uso de energias renováveis.

O informe aponta que não há um sistema nacional de monitoramento da poluição do ar completo. Veículos pesados não seguem níveis mínimos de eficiência de combustível, e não têm sua tributação vinculada à eficiência de combustível e à emissão de poluentes.

A legislação de mobilidade urbana é ainda implementada de maneira errática e variável no país, com múltiplos adiamentos da obrigação de que cidades implementem planos locais de mobilidade.

O planejamento de infraestrutura de transporte não integra adequadamente considerações ambientais, não havendo avaliação ambiental de transportes, com a decisão governamental já tomada na concessão quando o licenciamento ambiental é iniciado.

Recomendações da OCDE para uma reforma da política ambiental do país

Para reformar suas práticas, a entidade sugere uma lista de recomendações, na esperança de ver o Brasil caminhar em direção às boas práticas na questão ambiental. Elas incluem:


- Identificar, reduzir e futuramente cessar financiamento público para produção de combustíveis fósseis.

- Cessar a concessão de subsídios para produção e consumo de pesticidas.

- Taxar o uso de pesticidas.

- Adotar como obrigação legal o uso de Avaliação Ambiental Estratégica para planos e programas setoriais, inclusive nos planos de expansão da oferta de energia, e no planejamento espacial.

- Melhorar estrutura e financiamento de autoridades que avaliam demandas de licenciamento ambiental.

- Criar um sistema que permita aumentar a transparência do uso de fundos ambientais.

- Manter alíquotas positivas para a CIDE-Combustíveis e ligar a tributação de combustíveis ao índice de emissão de carbono de cada combustível.

- Publicar regularmente informações e relatórios sobre o estado do meio ambiente no país e publicar informações sobre o cumprimento da legislação ambiental por empresas poluentes.

- Analisar "cuidadosamente as razões para o aumento do desmatamento" para reverter a tendência, e garantir que as agências possuam recursos e pessoal suficientes para combater o aumento dos índices.

- Efetivamente fechar lixões até 2024, como manda a lei, e eliminar a prática de despejo irregular de resíduos perigosos.