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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Ataques contra TSE podem levar a cenário da Venezuela, diz relator da ONU

Relator das Nações Unidas sobre Independência de Juízes e Advogados, Diego García-Sayán - ERNESTO BENAVIDES/AFP
Relator das Nações Unidas sobre Independência de Juízes e Advogados, Diego García-Sayán Imagem: ERNESTO BENAVIDES/AFP

Colunista do UOL

21/06/2022 15h41

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Os ataques por parte do governo Jair Bolsonaro contra o Tribunal Superior Eleitoral ameaçam a estabilidade do sistema político. O alerta é do relator das Nações Unidas sobre Independência de Juízes e Advogados, Diego García-Sayán.

Em entrevista exclusiva ao UOL nesta terça-feira, em Genebra, ele contou como está tentando realizar uma visita ao Brasil, insinuou que não gostaria de ver o país seguir o caminho da Venezuela e indicou que uma ruptura institucional no país teria um impacto regional.

Segundo ele, a ameaça contra o TSE é "obviamente um problema". "Os tribunais, em geral, precisam ter independência e autonomia. Quando se coloca em dúvida um tribunal eleitoral por supostamente carecer de independência, o que não há sinal ou evidências de que seja assim, isso ameaça a estabilidade do sistema político", alertou.

Garcia-Sayan, fazendo um gesto com as mãos apontando ao norte da América do Sul, lembrou que "outro país" da região já viveu algo parecido. "Isso gerou violência e uma tensão que (o país) ainda segue vivendo. E não gostaria que se repita no Brasil uma situação como essa", disse, numa referência indireta à crise na Venezuela.

Em Caracas, um dos elementos mais graves da crise política sob o governo de Nicolas Maduro foi o ataque do Executivo contra o Judiciário, abrindo uma turbulência sem precedentes em décadas no país.

Em 2020, um informe preparado pelo escritório da Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, ainda alertou que a "independência judicial está sufocada" na Venezuela. Mais recentemente, o Tribunal Superior de Justiça nomeou um novo Conselho Nacional Eleitoral, com uma ampla maioria de apoiadores de Maduro.

Para o relator, um abalo na democracia no Brasil teria um "impacto muito grave" na região. "Quando ocorreu no século passado uma epidemia de militarismo na américa do sul e na América Latina, o que aconteceu no Brasil em 1964 foi quase a primeira peça de um jogo de dominó que contaminou a toda a América Latina", disse.

"Não quer dizer que o mesmo ocorreria agora. As democracias eleitorais nos demais países estão funcionando. Mas sempre que se sente ameaçado, e com impunidade em outros terrenos, isso abre o apetite", disse. "Não quero nem pensar e nem acreditar que isso vai acontecer no Brasil e que o que tivemos foram algumas frases e palavras que foram ditas em um contexto de uma campanha política, e que não se traduzam em nenhum momento em ações efetivas que toquem a magistrados no Supremo ou no TSE", afirmou.

Mas questionado se a ameaça não ficar nas palavras, o relator foi contundente em dizer que o mundo precisa estar de olho. "Existem regras internacionais que precisam ser respeitadas e uma delas é a autonomia de todos os tribunais, inclusive eleitoral", disse.

Visita ao Brasil

Há um mês, o relator recebeu informações sobre os ataques de Jair Bolsonaro contra a democracia e se reuniu com entidades brasileiras. O contato evidenciou a preocupação internacional em relação ao destino da democracia e o temor de que o processo eleitoral abra uma crise no maior país da América Latina.

No encontro, os grupos apresentaram a García-Sayán evidências e informações sobre as ameaças contra o Poder Judiciário e contra o estado democrático de direito.

A reunião, online, aconteceu por iniciativa da ABI (Associação Brasileira de Imprensa). Também estavam presentes a AJD(Associação Juízes pela Democracia), Comissão Arns, Comissão Nacional de Direito Internacional da OAB-ES, Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ, Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB, Conectas Direitos Humanos, CNDH(Conselho Nacional de Direitos Humanos), MNDH(Movimento Nacional de Direitos Humanos), Pacto pela Democracia e SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

Os relatores da ONU não têm o poder de julgar ou tomar medidas contra um país. Mas, ao exigir respostas ou fazer denúncias públicas, os representantes podem colocar pressão e constranger um governo diante da comunidade internacional.

"As informações que recebei apontam para ataques contra advogados e restrições ao exercício da defesa legal", disse. "Isso se amplia no Brasil e em qualquer país num contexto eleitoral", completou.

O relator apontou que as entidades brasileiras querem que ele realize uma visita ao Brasil antes das eleições. Mas, segundo ele, tal projeto não deve conseguir ser implementado. Uma opção que ele avalia é realizar uma viagem para São Paulo e Rio de Janeiro, na esperança de coletar informações. Não seria, porém, uma missão oficial da relatoria da ONU.