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Jamil Chade

REPORTAGEM

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ONU apura massacres de ativistas e indígenas no Brasil

Enterro de Vitor Guarani Kaiowa, em Guapoy, Amambai (MS). Vitor foi assassinado em ação da PM após indígenas retomarem parte do território de Guapoy - Cimi/Povos Guarani Kaiowa
Enterro de Vitor Guarani Kaiowa, em Guapoy, Amambai (MS). Vitor foi assassinado em ação da PM após indígenas retomarem parte do território de Guapoy Imagem: Cimi/Povos Guarani Kaiowa

Colunista do UOL

09/08/2022 04h00

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A situação das terras indígenas no Brasil volta para a agenda da ONU que, nesta terça-feira, marca o dia internacional dos povos indígenas e alerta para os ataques contra comunidades em diferentes partes do mundo.

Na segunda-feira (8), a relatora da ONU que monitora a situação dos defensores de direitos humanos, Mary Lawlor, se reuniu de maneira virtual com lideranças dos povos guaraní-kaiowá e com vítimas de ataques sofridos na região do Mato Grosso do Sul.

A situação dos indígenas no Brasil já levou outros relatores da ONU a pedir explicações ao governo de Jair Bolsonaro por conta da violência. Desta vez, o encontro ainda ocorre no momento em que as entidades da sociedade civil se preparam para questionar a situação de direitos humanos no Brasil, em uma reunião organizada para o final de agosto, na sede da ONU em Genebra. O tema indígena, uma vez mais, deve estar entre os principais focos de atenção.

Lawlor, porém, concentrou seu encontro com a situação específica na região de fronteira com o Paraguai e em reservas e retomadas em áreas como Dourados e Amambai (MS).

Um dos relatos que ela colheu foi de um adolescente de 14 anos que, numa área de retomada nas proximidades de Amambai, foi baleado numa operação policial. Ele sobreviveu, ainda que a comunidade tivesse dado ele como morto diante da situação na qual se encontrava.

Outro relato foi dado por uma estudante indígena que, na mesma operação, recebeu uma bala de raspão na cabeça.

Lideranças de outras áreas indígenas também informaram a representante da ONU sobre as constantes ameaças por parte de pistoleiros. Isso ocorre, acima de tudo, em locais de retomada, áreas que indígenas apontam que eram seus territórios e que nunca foram demarcadas.

Segundo participantes da reunião, Lawlor se mostrou especialmente preocupada com a situação das mulheres indígenas e solicitou maiores dados sobre a ação dos pistoleiros e seguranças armados.A esperança das comunidades da região é de que a relatora possa pressionar o governo a agir para garantir a proteção dos indígenas.

O desmonte da Funai

Na ONU, sempre que é questionado, o governo brasileiro garante que a Funai está cumprindo suas funções e que os cuidados com as comunidades fazem parte das prioridades da administração de Jair Bolsonaro.

A versão é contestada pelas entidades de direitos humanos. A Human Rights Watch, num comunicado para marcar o dia internacional dos povos indígenas, denunciou o fato de o governo brasileiro ter adotado "adotado políticas que ameaçam seriamente" essas
comunidades tradicionais.

"O governo do presidente Jair Bolsonaro enfraqueceu a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), órgão público encarregado de proteger esses direitos; emitiu normativas prejudiciais aos povos indígenas; e suspendeu a demarcação de suas terras tradicionais. O governo também enfraqueceu os órgãos federais de proteção ambiental, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), deixando as terras indígenas ainda mais vulneráveis à invasão", declarou.

"O governo brasileiro transformou a agência encarregada de promover e proteger os direitos indígenas em uma agência que colocou esses direitos em risco", disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil.

"As declarações e as políticas anti-direitos indígenas do governo têm encorajado garimpeiros, madeireiros, grileiros e caçadores a invadir terras indígenas com impunidade, levando a consequências devastadoras para os povos indígenas e o meio ambiente", disse.

Segundo ela, o presidente da Funai, Marcelo Xavier, afastou servidores públicos experientes de cargos diretivos. "Ele pediu à polícia que instaurasse investigações criminais contra servidores, lideranças indígenas e até membros do Ministério Público por defenderem os direitos indígenas; prejudicou os esforços para proteger as terras indígenas; e adotou políticas que facilitaram invasões", disse a entidade.

Segundo eles, apenas dois dos 39 coordenadores regionais - encarregados de proteger os direitos dos povos indígenas em sua região - são servidores de carreira que atuam como chefes titulares, de acordo com um relatório conjunto das organizações não governamentais Indigenistas Associados (INA), formada por servidores da FUNAI, e Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

As demais coordenações regionais foram chefiadas por pessoas de fora da FUNAI, incluindo 21 militares ou policiais ativos ou da reserva com pouca ou nenhuma experiência em questões indígenas.

Pressão política

O Ministério Público Federal (MPF) também alertou para o comportamento de Xavier que teria acusado diversos servidores da FUNAI e integrantes de uma associação indígena de terem cometido crimes "mesmo sabendo que eram inocentes".

Segundo os procuradores, ele fez isso "como instrumento de pressão política" no processo de licenciamento de uma linha de energia elétrica em um território indígena.

"Xavier enviou esse relatório à polícia federal, pedindo a abertura de inquérito policial, e à agência de inteligência do Brasil, ABIN, disse o Ministério Público Federal. Depois que um procurador pediu o arquivamento do caso, Xavier solicitou que o procurador fosse submetido a uma investigação criminal. Em julho de 2022, o Ministério Público Federal apresentou uma denúncia contra Xavier pelo crime de denunciação caluniosa. Xavier não respondeu publicamente às acusações do MPF", explicou a Human Rights Watch.

Ubiratan Cazetta, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), destacou ainda que, em várias ocasiões, Xavier pediu à polícia federal que investigasse procuradores que defendiam os direitos indígenas e pediu à Corregedoria do Ministério Público Federal que conduzisse processos disciplinares. "Foi para constranger", disse Cazetta.

Xavier também pediu à polícia federal que investigasse a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Além disso, pediu uma investigação de uma liderança do povo paiter suruí e o "monitoramento" pela agência de inteligência de atividades desenvolvidas por esse povo indígena.

Hoje, a demarcação está pendente para 241 terras indígenas. "Durante a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro prometeu não demarcar "mais um centímetro" de terra indígena. Como presidente, ele cumpriu essa promessa", completou a entidade.