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ONU fala em terror e, pela primeira vez, faz alerta sobre eleição no Brasil
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Num comunicado inédito na história da recente democracia brasileira, oito relatores da ONU (Organização das Nações Unidas) se uniram para pedir às autoridades, candidatos e partidos políticos no Brasil a garantia que as próximas eleições sejam "pacíficas e que a violência relacionada com as eleições seja prevenida". A declaração ocorre poucos dias depois de o presidente Jair Bolsonaro usar a tribuna da ONU para fazer campanha política, num gesto que deixou governos estrangeiros indignados com a postura do brasileiro.
O comunicado, mesmo sem citar o nome do presidente brasileiro, critica os ataques feitos contra o Judiciário, contra as urnas e alerta sobre o impacto desse comportamento para a sobrevivência da democracia. Nos bastidores, fontes da ONU confirmaram que a medida foi a maneira encontrada para colocar uma pressão sobre o governo para que não viole as regras eleitorais.
Sanções não podem ser aplicadas sobre o Brasil, muito menos por conta de um comunicado partindo de relatores. Mas a declaração serve como um alerta de que a comunidade internacional não está disposta a aceitar uma ruptura democrática no país. O impacto, caso Bolsonaro opte por esse caminho, seria uma condenação internacional praticamente imediata.
"Exortamos as autoridades a proteger e respeitar devidamente o trabalho das instituições eleitorais. Expressamos ainda nossas preocupações sobre o impacto que tais ataques poderiam ter sobre as próximas eleições presidenciais, e enfatizamos a importância de proteger e garantir a independência judicial", disseram os especialistas.
"Ameaças, intimidação e violência política, incluindo ameaças de morte contra candidatos e candidatas, continuam a aumentar online e offline, particularmente contra mulheres, povos indígenas, afro-descendentes e pessoas LGBTI - muitas vezes com base na intersecção de identidades", disseram os relatores. "Tais ações geram terror entre a população e impedem potenciais candidatos de concorrer a cargos", afirmam.
A declaração foi assinada por Clément Nyaletossi Voule, relator especial sobre os direitos à liberdade de reunião pacífica e de associação, Reem Alsalem, relatora especial sobre violência contra mulheres e meninas, Francisco Cali Tzay, Relator Especial sobre os direitos dos povos indígenas, Mary Lawlor, Relatora Especial sobre a situação das pessoas defensoras dos direitos humanos; Morris Tidball-Binz, Relator Especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias; E. Tendayi Achiume, Relatora Especial sobre as formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada; Irene Khan, Relatora Especial sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão; Diego García-Sayán, Relator Especial sobre a independência de juízes e advogados
Segundo eles, o impacto desproporcional da violência política sobre as mulheres, povos indígenas, afro-descendentes e pessoas LGBTI pode aumentar este efeito assustador entre tais grupos, limitando as oportunidades para sua representação nas decisões que os afetam, perpetuando assim o ciclo devastador da exclusão.
No mês passado, a então alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, criticou os ataques de Bolsonaro contra as instituições democráticas e contra as urnas, além de de sua incitação à violência. Sua atitude levou o Itamaraty a apresentar um protesto formal contra a chilena.
No início do ano, ela já havia alertado para o risco de violência, o que levou o governo a elevar o tom contra Bachelet, exigindo que não houvesse "interferência" na eleição brasileira.
Ataques contra Poderes e contra a democracia
Sem citar o nome do presidente Jair Bolsonaro, os especialistas expressaram ainda suas preocupações com a "campanha difamatória em curso e com os contínuos ataques contra as instituições democráticas, o Poder Judiciário e o sistema eleitoral no Brasil, incluindo o sistema eleitoral eletrônico".
"Estamos preocupados que este ambiente hostil represente uma ameaça à participação política e à democracia e instamos o Estado a proteger os candidatos de quaisquer ameaças, atos de intimidação ou ataques on-line e off-line", disseram os relatores.
Os especialistas ainda fizeram um apelo para que "todos aqueles envolvidos no processo eleitoral devem se comprometer com uma conduta pacífica antes, durante e após as eleições".
"Os candidatos e partidos políticos devem abster-se de utilizar linguagem ofensiva que possa levar à violência e a abusos dos direitos humanos", afirmaram. Os especialistas disseram que discursos de ódio, desinformação de gênero e incitação dos candidatos e seus apoiadores durante o período de campanha eleitoral podem desencadear violência.
Para eles, cabe ao estado "assegurar que todos os processos eleitorais sejam não discriminatórios, livres de desinformação, discurso de ódio e incitação à violência. Todas as liberdades fundamentais, incluindo o direito à liberdade de reunião e associação e a liberdade de expressão devem ser defendidas", afirmaram os oito relatores.
"Exortaram as autoridades brasileiras a tomar medidas específicas, voltadas para aqueles mais em risco, incluindo mulheres, afro-brasileiros, povos indígenas e pessoas LGBTI, para garantir que todos possam participar livremente do processo eleitoral, sem discriminação, assédio ou medo de uma potencial repetição da violência sexual e de gênero", pediram.
Proteção a jornalistas e observadores
No comunicado, os relatores da ONU ainda pediram que as autoridades garantam que a sociedade civil, pessoas defensoras dos direitos humanos, observadores eleitorais e jornalistas possam conduzir seu trabalho legítimo sem intimidações, ataques físicos ou represálias.
"Estamos profundamente preocupados com relatos de assédio e ataques contra jornalistas, em particular contra mulheres. Os jornalistas desempenham um papel crucial durante as eleições, contribuindo para um processo eleitoral livre e inclusivo e para a credibilidade dos resultados", disseram.
Eles lembraram que, já nas eleições passadas, o processo foi marcado pela violência e violações dos direitos humanos, incluindo o assassinato em 2018 da vereadora da cidade do Rio de Janeiro Marielle Franco, que era uma conhecida defensora dos direitos das mulheres, da igualdade racial e dos direitos das pessoas LGBTI.
"Preocupações sobre tais supostas violações foram levantadas por vários especialistas da ONU em uma comunicação conjunta ao Governo do Brasil, após as eleições de 2018. Neste contexto, "o Estado deve investigar sua execução de forma efetiva, rápida, completa e imparcial, e tomar medidas contra os responsáveis de acordo com o direito interno e internacional", concluíram os especialistas.
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