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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Covid-19: Governo Bolsonaro veta nomeação de especialista brasileira na OMS

Bolsonaro cobre os olhos com máscara  - Adriano Machado/Reuters
Bolsonaro cobre os olhos com máscara Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

29/09/2022 12h25

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Resumo da notícia

  • Deisy Ventura é reconhecida como uma das principais especialistas e tinha sido convidada pela OMS para repensar sistema de emergências sanitárias
  • Acadêmica foi uma das principais vozes críticas à gestão da pandemia no país.
  • Irritando Itamaraty, governo ainda nomeou assessora de Michelle Bolsonaro para posto em Orlando

Deisy Ventura é uma das maiores especialistas em saúde pública no Brasil e reconhecida por acadêmicos e governos estrangeiros. Mas quando seu nome foi sugerido pela cúpula da OMS (Organização Mundial da Saúde) para fazer parte do grupo que vai reconstruir o sistema de emergência sanitária no mundo, um fato inusitado chegou até a direção da entidade: o Brasil avisou que não daria seu apoio.

A coluna apurou que o veto veio do alto escalão do governo, em Brasília, gerando uma incompreensão por parte da secretaria da OMS.

Professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, ela estava sendo considerada para integrar o comitê que avaliaria a revisão do sistema de declaração de emergências sanitárias no mundo. Nas agências internacionais, esse é considerado como o principal legado da pandemia, na esperança que o mundo esteja mais bem preparado da próxima vez que um surto surgir.

Deisy Ventura foi uma das principais vozes na denúncia ao governo de Jair Bolsonaro diante de suas escolhas para lidar com a pandemia da covid-19. Suas investigações e análises ainda subsidiaram os trabalhos da CPI da Pandemia, no Senado.

Para a OMS, porém, não eram suas considerações políticas ou ideológicas que importavam. A brasileira é uma das referências mundiais na questão de saúde e era sua experiência nesse campo que seria usada para um dos trabalhos mais fundamentais do sistema multilateral no período pós-pandemia.

A OMS já tinha entrevistada a brasileira e ela estava fazendo parte dos preparativos para o primeiro encontro, marcado para o dia 6 de outubro. O grupo vai trabalhar até janeiro para receber as propostas dos diferentes governos sobre como reformar a estrutura e fazer o desenho da futura reforma do sistema internacional de declaração de pandemias e emergências sanitárias.

Por uma questão de protocolo, a OMS informou que submeteria o nome de Ventura para o governo brasileiro. Mas isso era considerado como uma etapa meramente burocrática, já que a especialista não representaria o Brasil, não falaria em nome do governo e atuaria de forma independente.

A expectativa era de que não haveria sequer espaço para um veto e, internamente, a consideração era de que o Brasil não gostaria de ficar de fora do grupo estratégico. Deisy Ventura era o único nome brasileiro.

Mas, nesta semana, o secretariado da OMS foi obrigado a explicar à candidata que sua nomeação não ocorreria diante da decisão do governo Bolsonaro de vetar seu nome para compor a lista de lista de especialistas que podem ser consultados pelo Regulamento Sanitário Internacional. O veto, portanto, foi duplo e a brasileira não poderá nem fazer parte do trabalho de revisão da OMS e nem ser considerada para a lista de especialistas.

O que chamou a atenção em Genebra é que Bolsonaro vetou a especialista depois de sofrer um revés diplomático. O governo não conseguiu emplacar seu ex-ministro da Saúde Nelson Teich para uma outra comissão que examinou a resposta dos governos à pandemia.

Procurado pela reportagem, o Itamaraty não se pronunciou até o momento.

Aliada nomeada para cargos no exterior

Enquanto o governo Bolsonaro veta a nomeação de especialistas para postos no exterior, o Palácio do Planalto acelera a nomeação de aliados da família Bolsonaro.

Um exemplo foi o destino dado para a diplomata Marcela Braga. Ela foi escolhida para chefiar o vice-consultado do Brasil em Orlando, recentemente criado por Bolsonaro. Em 2019, ela era apenas segunda-secretária, o que na hierarquia do Itamaraty representa ainda o início da carreira de um diplomata.

Mas, em apenas três anos e meio, subiu rapidamente e coincidindo com o governo Bolsonaro. Mesmo assim, a diplomata não seria a escolha mais evidente e sua nomeação causou irritação nos corredores da chancelaria. Tais cargos, tradicionalmente, são destinados às patentes mais elevadas dentro do ministério.

Para ela conseguir esse cargo, seus colegas a acusam de ter "furado a fila" das promoções e superado cerca de 200 outros diplomatas que, em tese, estariam mais avançados na carreira que ela.

Mas ela tinha uma qualificação que poucos poderiam colocar no currículo: nos últimos anos, ela foi o braço direito de Michelle Bolsonaro, a primeira-dama.

Fontes no Itamaraty garantem que foi a ingerência da esposa do presidente que garantiu a nomeação. Procurada pela coluna, a chancelaria não respondeu sobre quais foram os critérios usados para a nomeação da diplomata.