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Jamil Chade

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Notícias do centro do mundo

Sebastião Salgado 08 - Divulgação/Sebastião Salgado
Sebastião Salgado 08 Imagem: Divulgação/Sebastião Salgado

Colunista do UOL

29/01/2023 17h41

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Há exatos 30 anos, o jornalista Roy Gutman revelou ao mundo os campos de extermínio na Bósnia, liderados por sérvios e seus aliados. Para muitos europeus, ele escrevia do fim do mundo, pelo menos no imaginário coletivo do Velho Continente.

Observadores internacionais e mediadores da guerra hoje acreditam que, em 1993, as reportagens de Gutman ajudaram a salvar vidas de milhares de bósnios, ao forçar o fechamento de tais centros da morte.

Ao longo da história, fábricas de horror foram estabelecidas por diferentes governos. Cristãos, muçulmanos, socialistas ou capitalistas. E, junto com esses crimes, uma pergunta constante se fazia: onde estava a imprensa?

No que hoje é a Namíbia, o extermínio promovido pela Alemanha praticamente foi ignorado. Um silêncio profundo ainda foi mantido enquanto os soviéticos promoveram uma fome criminosa na Ucrânia nos anos 30. Mesmo na Segunda Guerra Mundial, uma parcela importante da imprensa americana preferiu enterrar relatos dos horrores dos campos de concentração.

Quando, em 1994, o genocídio em Ruanda eclodiu, só estavam presentes dois correspondentes estrangeiros no país. Escreviam do fim do mundo.

Em Darfur, conhecido como o primeiro genocídio do século 21, a imprensa apenas começou a dar atenção ao massacre quase um ano depois dos primeiros relatos. Quando o fez, conduziu governos de todo o mundo a colocar sanções contra Omar Al Bashir que, finalmente, seria condenado pelo Tribunal Penal Internacional.

Em 2023, o novo capítulo do genocídio yanomami eclodiu diante de todos nós graças ao trabalho profissional, responsável, corajoso e humano da plataforma Sumaúma, baseada em Altamira, no Médio Xingu (Pará). Trata-se de uma iniciativa de Eliane Brum e Jonathan Watts. Foi de Talita Bedinelli, cofundadora, o trabalho que concluiu nas mortes de pelo menos 570 crianças e que levou o governo, o restante da imprensa e a sociedade a reagir.

A meta do grupo de jornalistas é de expandir sua operação, para o desespero dos inimigos da humanidade. Trilíngue, a plataforma iniciou um programa de coformação de "jornalistas-floresta", coordenado por Raquel Rosenberg, com jovens de comunidades indígenas, ribeirinhas e camponesas do Médio Xingu e jovens da periferia de Altamira.

Segundo Eliane Brum, a redação da Sumaúma crescerá com esses jovens que "formaremos e que também nos formarão".

"A cada ano o programa será em uma região diferente da Amazônia. Alguns dos coformados ficarão em Sumaúma, outros criarão outros coletivos de jornalismo ou fortalecerão os já existentes, já que é necessário muito mais jornalismo na Amazônia do que existe atualmente", explicou.

"Nós, idealizadoras e fundadoras, somos uma equipe-ponte para que, idealmente em uma década, Sumaúma seja comandada por jornalistas dos povos-floresta", disse.

Segundo a jornalista, Sumaúma foi criada a partir da premissa de que os centros do mundo é onde está a vida - e não onde estão os mercados. Por isso, sua sede está em um dos epicentros da destruição da Amazônia e também da resistência a essa destruição.

Um contraste diante da perpétua tentativa de manter a Amazônia na periferia do Brasil.

Ninguém pode saber o destino que está reservado aos responsáveis pelos crimes contra os indígenas. Mas, hoje, sabemos que a presença da imprensa no local pode fazer toda a diferença para dar visibilidade aos crimes, aos sonhos e à vida.

O jornalismo do centro do mundo para o resto do mundo.