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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Ações fecham cerco contra Bolsonaro e caso em Haia caminha para ser aceito

Colunista do UOL

01/05/2023 04h00

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As denúncias contra o ex-presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional por seu desmonte das políticas indigenistas e por suspeitas de crimes contra essas populações caminham para serem aceitas.

Três fontes diferentes em Haia e no Brasil sinalizaram que existem sinais claros de que os processos contra o ex-presidente ganharam novo ritmo e que há uma forte tendência a uma admissibilidade dos casos.

A sinalização acontece num momento de incremento da pressão internacional contra Bolsonaro, em medidas que têm como objetivo fechar o cerco contra o ex-presidente:

1. A partir de terça-feira, pela primeira vez, o Brasil receberá a visita de uma representante da ONU que tem, como mandato, investigar riscos de genocídio entre uma população. A queniana Alice Wairimu Nderitu, conselheira especial do secretário-geral para a Prevenção de Genocídio, ficará no país até 12 de maio e focará sua agenda na situação dos povos indígenas e da comunidade afrobrasileira.

Uma das estratégias do governo é a de conseguir um informe internacional chancelando a ideia de que, sob o governo Bolsonaro, essas populações viveram riscos reais de genocídio. Um eventual documento de Nderitu poderia reforçar a pressão sobre o ex-presidente e deve alimentar as denúncias em Haia.

2. Entidades brasileiras irão submeter um novo informe para o Tribunal Penal Internacional, com detalhes da situação de crise humanitária vivida pelo povo yanomami. Uma vez mais, o foco vai recair sobre Bolsonaro.

3. No caso do tribunal, as indicações também têm deixado interlocutores "cautelosamente otimistas" e apontam para uma forte tendência de que as denúncias sejam aceitas. Não se trata ainda de entrar no mérito de um eventual crime que Bolsonaro tenha cometido. Mas, em primeiro lugar, uma avaliação se a procuradoria da corte tem mandato para assumir tais queixas contra o ex-presidente.

Desde 2020, Bolsonaro tem sido alvo de diferentes denúncias no Tribunal Penal Internacional. Pelo menos uma delas foi arquivada. Mas queixas relativas à situação dos indígenas chamaram a atenção da procuradoria da corte que, por ano, recebe mais de 700 denúncias de todo o mundo.

Casos como o que foi apresentado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil apontavam para crimes resultantes do desmonte da assistência às populações tradicionais. Uma das tendências em Haia é a de reunir, em uma só avaliação, as diferentes evidências apresentadas pelos diferentes grupos.

Juristas consultados pelo UOL apontam que um dos pontos principais a ser considerado antes do início de uma investigação é o conceito de complementaridade entre Haia e a justiça nacional.

Ou seja, para que um caso seja aceito, alguns princípios são examinados:

  • Haia avalia se já existe um caso aberto contra aquela pessoa em seu país de origem. Mas pode optar por ir adiante com a investigação em situações nas quais o estado é incapaz ou opta por não realizar o inquérito de forma independente;
  • A corte examina se os procedimentos nacionais foram realizados com o objetivo de proteger a pessoa em questão da responsabilidade criminal por crimes da jurisdição do tribunal;
  • Se houve um atraso injustificado no processo que, nas circunstâncias, é inconsistente com a intenção de levar a pessoa em questão à Justiça;
  • Os procedimentos não foram conduzidos de forma independente ou imparcial, e foram conduzidos de uma maneira que, nas circunstâncias, é inconsistente com a intenção de levar a pessoa em questão à Justiça.


Para juristas, a inação do estado diante de um crime torna um caso imediatamente admissível no Tribunal Penal Internacional. Mas a inação não é o único elemento que pode levar a corte a considerar uma ação contra o suspeito.

Se Bolsonaro já está sendo investigado, é necessário que os crimes pelos quais ele é denunciado em Haia sejam os mesmos pelos quais existe um processo doméstico contra ele.

Em 2006, num caso envolvendo a República Democrática do Congo, o TPI decidiu aceitar a denúncia, mesmo quando o suspeito já havia sido detido em seu país de origem. Naquele momento, a procuradoria decidiu que, para que um caso seja inadmissível, "os procedimentos nacionais devem abranger tanto a pessoa quanto a conduta que é objeto do caso perante o tribunal".

Entre as entidades que levaram os casos para Haia, existe um otimismo cauteloso diante das sinalizações por parte da procuradoria. Um processo, porém, pode levar ainda meses ou anos para de fato significar qualquer risco de prisão para Bolsonaro.

No ano passado, o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) já condenou Bolsonaro por crimes contra a humanidade cometidos durante a pandemia da covid-19 e indicou que uma outra política teria salvo pelo menos 100 mil pessoas.

A condenação, porém, não tinha consequências práticas contra Bolsonaro. Mas ainda que apenas simbólica e moral, a decisão poderá ampliar a pressão internacional contra o ex-presidente brasileiro. O órgão internacional, criado nos anos 70, não tem o peso do Tribunal Penal Internacional, nem a capacidade de tomar ações contra um estado ou chefe de governo. Mas a condenação foi considerada por grupos da sociedade civil, ex-ministros e juristas como uma chancela importante para colocar pressão sobre o Palácio do Planalto e expor Bolsonaro no mundo.

Bolsonaro, segundo o tribunal, cometeu "atos dolosos" e "intencionais" contra sua população.

Os membros do órgão ainda recomendam que o Tribunal Penal Internacional avalie ainda a possibilidade de genocídio cometido pelo estado, ao longo de décadas e intensificada mais recentemente pelo ex-presidente. A sentença simbólica foi transmitida para a corte na Holanda.