Jamil Chade

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Reportagem

Brasil faz crítica velada aos EUA e diz que ONU vive 'momento decisivo'

O governo brasileiro criticou de forma velada o veto dos EUA a um projeto de resolução que havia apresentado no Conselho de Segurança e alertou que o momento é "decisivo" para a ONU.

Num discurso durante o debate na Assembleia Geral da ONU, o embaixador Sérgio Danese defendeu uma suspensão das hostilidades em Gaza, a criação de uma pausa humanitária e o acesso de bens para a população. Para ele, a entidade precisa dar uma resposta à crise e o atual modelo "fracassou".

O discurso ocorre momentos antes de a ONU votar uma resolução que vai pedir uma "trégua humanitária" na Faixa de Gaza, proposta pelos países árabes e como uma reação ao impasse vivido no Conselho de Segurança.

Enquanto o embaixador falava, o secretário-geral da ONU, António Guterres, declarava em outra sala que a entidade teria de parar a ajuda para Gaza se não houvesse um acordo humanitário.

Para o Brasil, o momento é decisivo:

Nossa resposta coletiva a essa crise, que todos tememos que só se agravará se nada for feito, será um momento decisivo para a ONU. Ele mostrará se a ONU pode levar a sério a prevenção, o fim ou, pelo menos, a mitigação dos horrores da guerra.

Sergio Danese, embaixador do Brasil na ONU

"Esta Assembleia e o Conselho de Segurança devem agir de forma decisiva. O mundo está nos observando. E isso não é retórica. O mundo está realmente nos observando e espera uma resposta efetiva", alertou. Nas últimas semanas, quatro votações no Conselho terminaram sem um acordo.

Segundo ele, quando a crise imediata for superada, todos devem "redobrar os esforços para abordar as causas fundamentais da tragédia que se desenrola diante de nossos olhos".

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"O mero gerenciamento de conflitos fracassou. Essa é a receita para a violência contínua e a instabilidade permanente, disse.

Alfinetada nos EUA

Ao falar para a Assembleia Geral da ONU, o embaixador apontou que a proposta brasileira no Conselho de Segurança que criava uma pausa humanitária ainda na semana passada foi vetada apenas por um país. Sem mencionar o nome dos EUA, ele insistiu que o texto obteve doze votos, o que significa quatro quintos dos membros do Conselho.

"Trabalhamos incansavelmente de maneira inclusiva e construtiva, com diligência e senso de dever, com todas as delegações dispostas a se envolver com nossa proposta", disse. "Nosso objetivo era apresentar um texto que trouxesse uma resposta absoluta e unida do Conselho de Segurança", afirmou.

Segundo ele, o "forte apoio dado pelos membros do Conselho à resolução indica que se tratava de um texto equilibrado".

"Ele estava solidamente enraizado no direito internacional humanitário e no direito internacional dos direitos humanos e fundamentalmente comprometido com o imperativo humanitário", disse.

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Condenação

Danese voltou a insistir que o Brasil condena todas as violações que estão ocorrendo na guerra, tanto aquelas cometidas contra israelenses como o que sofrem hoje os palestinos.

"Esse imperativo (humanitário) exige que sejamos claros e firmes em nossa condenação de toda violência contra todos os civis, israelenses, palestinos ou outros", disse. "É por isso que minha delegação expressou e agora reitera a condenação inequívoca do Brasil aos atos terroristas hediondos do Hamas, incluindo a tomada de reféns", afirmou.

Mas também alertou Israel. "É também por isso que condenamos claramente os ataques que estão matando e ferindo indiscriminadamente civis e destruindo objetos civis na Faixa de Gaza e a privação de sua população civil dos meios indispensáveis à sua sobrevivência", disse.

Medidas: acesso à Faixa de Gaza

Para ele, "é o imperativo humanitário e a lei humanitária internacional que indicam o que deve ser feito". "Todos os reféns devem ser imediata e incondicionalmente libertados", defendeu.

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Danese ainda defendeu "o fornecimento contínuo, suficiente e desimpedido de bens e serviços essenciais aos civis em toda a Faixa de Gaza, incluindo, entre outros, água, alimentos, suprimentos médicos, combustível e eletricidade".

"Também é urgente garantir o acesso humanitário total, rápido, seguro e sem obstáculos", insistiu.

Para ele, "mecanismos como pausas e corredores humanitários devem ser estabelecidos rapidamente para facilitar o fornecimento de ajuda humanitária".

"A cessação das hostilidades é urgentemente necessária, de modo que sejam criadas condições para um cessar-fogo completo, duradouro e respeitado", completou.

Negociação

Ainda sobre a resolução no Conselho, ele insistiu que o governo brasileiro se engajou em negociações, justamente para acomodar o interesse das diferentes delegações, também num recado velado aos EUA de que as propostas da Casa Branca foram incorporadas.

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"Não nos esquivamos das negociações e deliberações sobre as propostas que foram apresentadas por outros membros do Conselho de Segurança", insistiu. Ainda acreditamos que nossa primeira versão poderia ter sido o melhor resultado possível para o Conselho quando a apresentamos.

"Ainda acreditamos que aquele texto poderia ter sido a melhor resposta", disse. Segundo ele, havia um equilíbrio e era baseado num "imperativo humanitário".


Israel rejeita proposta

Antes mesmo do voto, que ocorre na tarde desta sexta-feira, o governo de Israel já indicou que não concorda com o texto proposto por mais de 40 países, enquanto os EUA classificaram a resolução como "ultrajante" e exigem mudanças. Nesta tarde, o governo do Paquistão anunciou que fará campanha contra as propostas americanas de modificação do texto.

Para que a resolução seja aprovada, pela precisa de dois terços dos votos da Assembleia Geral. Mas, ao contrário do Conselho de Segurança, ninguém pode vetar.

A diferença, porém, é que uma resolução da Assembleia Geral não tem o mesmo peso vinculante do Conselho.

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O debate sobre o texto começou ontem, numa sessão marcada por ataques mútuos entre palestinos e israelenses, ameaças por parte do Irã e até a transmissão de um vídeo no qual um membro do Hamas decapitava uma vítimas.

O documento inicial do projeto de resolução falava em um "cessar-fogo imediato" e não citava os crimes cometidos pelo Hamas — o que levou o governo de Israel a atacar a ONU. Segundo a diplomacia israelense, quem defende um cessar-fogo quer que as "mãos de Israel sejam amarradas", permitindo espaço para o Hamas se rearmar.

Mas, em negociações na madrugada de hoje, os países árabes aceitaram uma mudança no texto, na esperança de atrair um maior número de votos e isolar americanos e israelenses.

EUA rejeita texto e exige emenda

Antes de sua votação, uma proposta de emenda do Canadá e EUA também será votada. Ottawa e Washington querem que o texto originalmente desenhado pelos países árabes traga uma referência explícita ao Hamas e a uma liberação imediata dos reféns.

Para a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, o mundo "precisa condenar atos terroristas do Hamas". "Eles estão determinados a matar judeus. Nunca estiveram preocupados com as pessoas que dizem representar", disse. "É um absurdo que essa resolução não nomeie os autores dos ataques."

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O projeto de emenda, portanto, estabelece que a ONU:

Rejeita e condena inequivocamente os ataques terroristas do Hamas que ocorreram em Israel a partir de 7 de outubro de 2023 e a tomada de reféns, exige a segurança, o bem-estar e o tratamento humano dos reféns em conformidade com o direito internacional e pede sua libertação imediata e incondicional;

Para a embaixadora, aceitar esse trecho "deveria ser fácil". "Isso é o mínimo", insistiu. De acordo com a diplomata, os palestinos são "descartáveis" para o Hamas e são usados como escudos humanos.

Outro problema para os EUA é a ausência de uma referência aos reféns feitos pelo Hamas. "Ela não fala dos inocentes, inclusive de muitos que vêm dos países de vocês", disse a embaixadora aos demais governos. "São omissões que dão poder para a brutalidade do Hamas."

"A ONU precisa mandar mensagem clara", afirmou Linda, lembrando que seu projeto no Conselho de Segurança já ia na mesma direção. Para ela, resoluções que lidam com apenas um lado da guerra "não vão ajudar". "São documentos retóricos que apenas nos dividem", completou.

Imediatamente depois do anúncio americano, a delegação do Paquistão fez um apelo aos governos na Assembleia Geral para que votem contra as emendas.

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