'Cartilha' de líder da Hungria foi promovida por bolsonaristas no Brasil
Há mais de uma década no poder, o húngaro Viktor Orbán se transformou em fonte de inspiração aos bolsonaristas. Nesta semana, o jornal The New York Times revelou a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro na embaixada húngara, em Brasília, no que poderia ser uma tentativa de fugir da Justiça.
Mas a relação entre os dois líderes revela o papel que Orbán teve na construção das estratégias de poder por parte da extrema direita brasileira.
Num evento realizado no Brasil, em junho 2022, o deputado Eduardo Bolsonaro deixou claro que a Hungria de Viktor Orbán era o exemplo a ser seguido e apresentou uma espécie de guia para que a extrema direita chegue ao poder e se mantenha forte.
Em sua palestra, de pouco mais de 40 minutos, o deputado mostrou a um público ultraconservador os "feitos" de seu aliado em Budapeste. Mas, acima de tudo, usou seus ensinamentos como uma cartilha a ser seguida.
O deputado chamou a Hungria de Orbán de "um exemplo de sucesso, de muito sucesso". "Temos algo a aprender com ele", disse.
O evento - o CPAC (Conservative Political Action Conference) - é uma espécie de Meca da extrema direita mundial, reunindo movimentos europeus, Javier Milei, Bolsonaro e amplamente financiada pelos ultraconservadores americanos que formam a base de apoio de Donald Trump.
Em 3 de maio de 2022, Orbán já havia apresentado em outro evento do CPAC as doze lições para "o sucesso dos cristãos conversadores".
Coube a Eduardo Bolsonaro assumir a apresentação da cartilha no Brasil, explicando a necessidade de dar uma resposta à "esquerda" e ao Judiciário que defende "direitos humanos que protege o vagabundo".
Hungria: pária no cenário internacional, central para o bolsonarismo
Orbán, no poder desde 2010, transformou a Hungria num campo de testes da extrema direita. Ao longo dos anos, controlou o Judiciário, Parlamento e imprensa, além de fechar qualquer espaço para a participação da sociedade civil na formulação de políticas. Foi denunciado pela UE, mas jamais abriu mão de seu projeto e passou a ser chamado de o "líder autocrático mais sofisticado da Europa".
Insignificante para o comércio brasileiro, marginal no debate geopolítico, pária dentro da Europa e com um peso irrisório no palco internacional, a Hungria passou a ser estratégica aos interesses do movimento de extrema-direita brasileiro.
Regras de Orbán: Jogar com suas próprias regras
A primeira das regras a ser seguida é de que líderes devem "jogar com suas próprias regras". Na explicação de Orbán, trata-se de uma estratégia de lidar com os problemas, sem aceitar as soluções e direções "impostas por outros".
"É por isso que não devemos nos desencorajar ao recebermos gritos, ao sermos rotulados como incapazes ou ao sermos tratados como desordeiros no exterior", disse o húngaro. "De fato, é suspeito se nada disso acontecer. Observe que qualquer um que jogue de acordo com as regras de seus oponentes certamente perderá", disse.
Outro ponto do receituário é implementar o conservadorismo nacional na política interna. "As igrejas e as famílias devem ser apoiadas porque são os blocos de construção de uma nação", disse ele.
Uma imprensa para chamar de sua e a 'revolução das tias do zap'
A cartilha também faz uma referência direta à necessidade de que esse movimento de extrema direita tenha "sua própria imprensa". Ao apresentar as propostas no Brasil, Eduardo Bolsonaro usou exemplos de matérias do UOL para mostrar como era necessário que seu movimento tivesse seus próprios canais, principalmente nas redes sociais.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receber"Aqui é a parte que eu mais gosto", disse o deputado. "Orbán apanhava muito da imprensa esquerdista. E como foi mudada? Milionários compraram (esses meios) ou abriram os seus. Então, o que era crítica passou a dar voz a sua visão de mundo", explicou.
Ele ainda destacou o papel "das tias do zap", que estariam questionando a imprensa. "As tias do zap tiram o sono desses caras (da imprensa). São elas que estão fazendo a verdadeira revolução", completou.
Ao apresentar sua própria cartilha, em abril de 2022, Orbán foi claro sobre a importância da imprensa. "Precisamos ter a mídia porque só podemos mostrar a insanidade da esquerda progressista se tivermos a mídia para nos ajudar", disse. "A opinião da esquerda só parece ser majoritária porque a mídia a ajuda a amplificar suas vozes", alertou.
Segundo ele, "o problema" é que a mídia ocidental "está alinhada com a visão de esquerda". "Aqueles que ensinavam repórteres nas universidades já professavam princípios progressistas de esquerda", justificou o húngaro.
Eduardo Bolsonaro já tinha viajado para Budapeste em 2019 e, após um encontro com Orbán, disse que aprendeu com o húngaro "principalmente sobre cultura e trato com imprensa sem politicamente correto".
Fé e amigos
O receituário não esquece ainda da necessidade de que um povo tenha "fé". "Se alguém não acredita no Julgamento Final, acha que pode fazer tudo o que estiver ao seu alcance", disse Orbán. "Sua falta de fé é, portanto, perigosa", afirmou o primeiro-ministro Orbán.
O húngaro ainda propõe que lideranças da extrema direita "façam amigos". "Nossos adversários, os liberais progressistas e os neomarxistas, estão sempre unidos", alertou. "Eles se apoiam uns aos outros", disse.
"Os conservadores, por outro lado, são capazes de brigar entre si sobre a menor das questões, disse o primeiro-ministro. "E então nos perguntamos como nossos adversários conseguem nos cercar", concluiu.
Em fevereiro, ele colocou em prática essa aliança, recebendo Bolsonaro em sua embaixada por dois dias.
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