Jamil Chade

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Reportagem

Caos político na América do Sul dificulta plano de Lula de integração

Quando Luiz Inácio Lula da Silva venceu a eleição de 2022, pediu que uma nova política externa fosse desenhada ao país. Como resultado, a equipe de transição elaborou um documento no qual os pilares da nova inserção do Brasil no mundo ocorreriam. Mas uma delas era considerada como estratégica: voltar a reunir a América do Sul ao redor de uma só mesa e retomar o processo de integração regional.

A tentativa frustrada do golpe de Estado na Bolívia nesta semana, porém, foi apenas mais um sinal da dificuldade em concretizar o projeto. Com crises políticas, tensões, acusações de repressão, ameaças de anexação e o crime organizado que ganha espaço, o continente vê os ensaios de recriar uma estratégia regional abalados.

Bolívia

"Coração" geográfico da América do Sul, a Bolívia conseguiu impedir a ruptura democrática no país. Mas a tensão e o processo nos últimos dias mostraram que as ameaças são constantes..

Na prisão condenada por golpe de Estado, a ex-presidente da Bolívia Jeanine Áñez chegou a receber a oferta por parte de Jair Bolsonaro de lhe conceder asilo. Meses antes, o Brasil havia sido o primeiro país - ao lado do governo de Donald Trump - a reconhecer seu governo como legítimo. Em 2022, sua filha, Carolina Ribera Áñez, chegou a fazer uma visita a Michelle Bolsonaro.

Se o país é o local com o maior número de golpes de Estado no mundo desde 1950, a situação atual é ainda um espelho da existência de projetos completamente diferentes de ideia de nação e como se relacionar com o restante dos vizinhos.

Peru

A fragilidade da democracia também é a realidade hoje do Peru. Um ano após a remoção do então presidente Pedro Castillo, a entidade Freedom House denuncia uma repressão por parte do novo governo, interferências no Poder Judiciário

Como resultado, o país deixou de ser considerado como "livre" na classificação da entidade e passou à lista de locais "parcialmente livres".

Sua manutenção, segundo entidades como Anistia Internacional, é garantida com base numa repressão que já fez mais de 40 mortos. Ao mesmo tempo, leis foram aprovadas reduzindo a transparência e monitoramento sobre o Congresso e Executivo.

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Venezuela

O continente ainda convive com a volta do fluxo de refugiados e imigrantes venezuelanos que, em 2023 e 2024, voltaram a superar o volume de pessoas gerado pela guerra na Ucrânia. Mais de 6,1 milhões de venezuelanos estão hoje fora do país, com uma grande quantidade nos países vizinhos.

Se a esperança era de que a eleição presidencial em julho fosse capaz de virar a página da crise política envolvendo Nicolás Maduro e sua oposição, informes da ONU revelam que a repressão voltou a ganhar força.

Maduro ainda desfez o convite para que os europeus realizem um monitoramento da eleição, depois que a UE optou por manter as sanções contra Caracas.

A instabilidade ganha um contorno geopolítico diante das ameaças de Maduro de anexação de territórios da Guiana, gesto que obrigou o governo Lula a se posicionar e alertar o venezuelano de que não teria o respaldo de Brasília.

Equador

Considerado por décadas como uma "ilha de tranquilidade", o Equador se transformou num dos epicentros da instabilidade regional. Filho de um magnata do setor de bananas, o presidente Daniel Noboa assumiu com a promessa de dar segurança à população diante do aumento da violência.

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Vinte gangues foram declaradas como organizações terroristas e um estado de emergência de 90 dias foi anunciado. Se não bastasse, seu governo promoveu uma invasão da embaixada do México em Quito, violando leis internacionais e levando os mexicanos a abrir um processo na Corte Internacional de Justiça, em Haia. A operação era para prender um vice-presidente acusado de corrupção e que estava foragido.

Parte da tomada do país pela violência tem relação com seus portos profundos, que transformaram sua costa em um importante ponto de trânsito para a cocaína que é exportada para os EUA e Europa. Organizações criminosas rivais do Peru, Colômbia e Equador travam uma batalha para controlar essas rotas de tráfico.

De acordo com dados da Polícia Nacional do Equador, a taxa de homicídios em 2016 foi de 5,8 homicídios por 100.000 pessoas. Em 2022, ela havia aumentado para 25,6, um nível semelhante ao da Colômbia e do México, países com um longo histórico de violência dos cartéis de drogas.

Argentina

A instabilidade regional ainda ganhou um novo componente com a chegada ao poder de Javier Milei, na Argentina. Seu projeto ultraliberal abriu uma crise política no país, com protestos e um braço de ferro entre as diferentes forças políticas na Argentina.

A decisão ainda de ofender Lula, ainda durante a campanha, levou o brasileiro a se negar a falar com o argentino, ampliando a impossibilidade de que haja uma coordenação no mais alto nível para lidar com as crises regionais.

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Lula exige que Milei peça desculpas, ato que o argentino se nega a fazer.

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