'Ansiedade fascista' toma conta da França às vésperas de eleição
Quando as urnas forem abertas neste fim de semana na França para o primeiro turno das eleições parlamentares, elas vão se transformar por algumas horas no espelho de um país em profunda crise existencial.
Diante da perspectiva inédita da vitória da extrema direita e do eventual anúncio de um primeiro-ministro vindo do movimento ultraconservador, analistas, psicólogos, escritores e cientistas políticos descrevem o aprofundamento de um novo fenômeno no país: "a ansiedade fascista".
Ou seja, o medo de ver, pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o poder sendo tomado por grupos que, por anos, foram considerados como uma ameaça aos valores básicos da República francesa.
O presidente da França, Emmanuel Macron, dissolveu a Assembleia Nacional depois da derrota nas eleições europeias, no início do mês e surpreendeu até mesmo seu gabinete ao convocar novas eleições. No Conselho Econômico, Social e Ambiental do país — uma espécie de terceira Câmara —, a percepção foi que o ato jogou a França "numa crise política e democrática sem precedentes".
Se o ato foi considerado por pesquisadores como um "golpe de estado psíquico", deixando milhões sem entender, uma outra tendência também ganhou força no país: a "ansiedade fascista". Ou seja, o medo do que pode ocorrer se políticos herdeiros de movimentos xenófobos, antidemocráticos e anti-europeu chegarem ao poder.
O que era um sentimento restrito apenas às principais vítimas de racismo e de discriminação ganhou uma dimensão nacional à medida que as pesquisas de opinião mostram que a extrema direita pode vencer o pleito.
As últimas pesquisas revelam que o partido Rassemblement National poderia terminar com 36% dos votos, contra 28% para a Nouveau Front Populaire (NFP), a coalizão de partidos e movimentos de esquerda. A maioria presidencial de Macron ficaria com apenas 21% dos votos.
Os resultados, constantes nas últimas semanas, levaram ainda os pesquisadores a tentar avaliar como os franceses estavam reagindo ao cenário político. Um levantamento realizada pelo Instituto Verian indicou que, diante de uma possível vitória da extrema direita:
- 30% dos franceses se declararam com medo
- 25% afirmaram sentir vergonha
- 23% expressaram raiva
- 21% demonstraram desespero.
A mesma pesquisa ainda revelou que 24% dos entrevistados indicaram que tal resultado traria "esperança" ao país.
O que pesquisadores também identificaram é que há uma contaminação desse sentimento de ansiedade que era, até então, mais concentrado em minorias. Entre os imigrantes, o temor já era constante nos últimos anos sobre a possibilidade da vitória da extrema direita, principalmente diante da tendência de demonstrações xenófobas cada vez mais explícitas.
O que era apenas um mal-estar, porém, começou a ganhar uma dimensão de propostas de leis. O grupo liderado por Marine Le Pen passou a defender que certos cargos públicos sejam reservados exclusivamente para franceses que não tenham dupla nacionalidade. Também foi sugerido a adoção de leis que permitam que imigrantes sem trabalho sejam expulsos do país.
Ecoou ainda de forma importante o alerta lançado por Macron de que uma eventual vitória dos extremismos poderia levar a França a uma "guerra civil".
Newsletter
JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberPara Raphael Llorca, pesquisador da Fondation Jean Jaurès, fazer uma leitura emocional da França neste momento era necessário diante do terremoto político no país. Segundo ele, a sociedade vive "o que podemos chamar de uma ansiedade fascista". "Ou seja, o medo do que significa a chegada ao poder da extrema direita", disse.
O escritor Hervé Le Tellier confirma a existência do sentimento. "O que tínhamos até hoje era a extrema direita imposta pelos nazistas na França. Agora, é pela urna", constatou.
A angústia e o medo ainda levaram mais de 200 personalidades políticas da França, inclusive ex-ministros de diversos partidos, a publicar uma carta comum apelando para que haja uma união entre as forças democráticas para vencer, em cada região eleitoral, os candidatos de extrema direita.
A extrema direita continua sendo o que ela sempre foi: uma inimiga da democracia e uma propagadora do ódio.
Carta de personalidades francesas
Também de forma coordenada, dezenas de atletas franceses que representaram o país em competições internacionais assinaram uma declaração conjunta afirmando que "não iriam se resignar a ver a extrema direita chegar ao poder na França". Entre eles estavam o tenista Yannick Noah, François Gabart, Marie-José Pérec, Marion Bartoli e Yohann Diniz.
A eleição ainda é acompanhada pelas principais capitais da Europa e do mundo, de olho no que pode ser um novo capítulo da história do avanço da extrema direita. Desta vez, no coração do Iluminismo.
Para observadores, poucas medidas foram mais representativas desse temor e angústia que atravessa a sociedade como a decisão de diversos prefeitos do país de pedir um amplo reforço policial para os dias das eleições, algo inédito na França desde o fim da Segura Guerra Mundial.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.