Atentado contra Trump deixa democracia americana a um centímetro do abismo
Foi por muito pouco. Um centímetro a mais e a democracia americana estaria seriamente comprometida, jogando o restante do que existe ainda de credibilidade das potências ocidentais num fosso e instaurando um clima absoluto de incerteza no mundo.
Ainda que tenha sido de raspão, o tiro deixou claro o risco de ruptura que existe no pacto americano, já profundamente abalado em seu compromisso de estabelecer uma comunidade de destino. Forjada sob violência, a construção dos EUA vive uma ameaça existencial, pelo menos da forma que a conhecemos.
Nada é exatamente novo. Donald Trump zombou ou deu pouca importância para políticos que foram agredidos, incitou a violência e chamou de "patriotas" os invasores do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Mais recentemente, ele afirmou que os golpistas que estão hoje presos foram "sequestrados" pelo Estado.
O que ocorreu no fim de semana, portanto, é muito mais o resultado de uma retórica cada vez mais agressiva e de uma sociedade profundamente dividida — e armada — que um ato realmente isolado.
Ao decidir que não poderia aceitar a derrota nas eleições, ao mentir e ao fazer com que circulasse a ideia de que ele não havia perdido o pleito, Trump conseguiu o impensável: convencer uma parte dos americanos de que o atual presidente é ilegítimo e que o resultado foi fraudado.
Em abril, uma pesquisa revelou que apenas 70% dos americanos acreditavam que Biden havia vencido a eleição de 2020. Entre os republicanos, a taxa é de apenas 38%.
Junto com esse feito, o que se viu foi um abalo profundo na confiança de uma parcela da população em suas próprias instituições.
Se a democracia é um pacto, ela apenas existe se há um acordo de princípios entre os cidadãos de que toda a infraestrutura estabelecida para que o regime funcione tem lastro. E, nos últimos anos, é esse lastro que foi golpeado.
Prova disso é que o sangue nem sequer havia secado e republicanos estavam acusando Joe Biden de ter um envolvimento no atentado. Do outro lado do espectro político, democratas se apressaram em denunciar o atentado como "armação", sem prova alguma.
A violência que era retórica ficou explícita. Como num genocídio, o crime nunca começa com o primeiro morto. Mas com a liberação do discurso de ódio. E, hoje nos EUA, há um claro espírito de vingança.
Numa recente pesquisa realizada pela PBS, NPR e Marist, 20% dos americanos afirmaram que estão dispostos a usar violência para "recolocar o país nos trilhos". Entre os democratas, a taxa é de 12%. Mas sobe para 28% entre republicanos.
Sim, a bala passou muito perto.
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