Jamil Chade

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Brasil em chamas ameaça sufocar planos de Lula para Assembleia Geral da ONU

O plano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era ambicioso: chegar à Assembleia Geral da ONU, em 24 de setembro, para fazer o discurso de abertura com dados de um avanço real na luta contra as mudanças climáticas. E, na condição de presidente do G20, ter a credibilidade para convocar o mundo a agir.

Mas Lula, que almejava o posto de liderança ambiental, viaja nos próximos dias para Nova York com o Brasil em chamas. A realidade, de acordo com diplomatas brasileiros e estrangeiros, agora ameaça os planos do governo para o evento e a projeção que Lula gostaria de ter.

Em seu programa, o presidente usará a Cúpula do Futuro — convocada pela ONU para os dias anteriores à Assembleia Geral — para cobrar os países ricos a promover uma reforma do sistema internacional e a agir pelo clima, inclusive cobrando que órgãos internacionais tenham maior autoridade.

Lula será um dos primeiros a discursar no dia de abertura da Cúpula do Futuro e já antecipou que esse será parte do seu recado. Fontes na ONU, porém, questionam se o tom usado vai ter eco.

Dois dias depois, Lula abrirá a Assembleia Geral e, mais uma vez, o clima será um dos pilares de seu discurso. Diplomatas admitem que terão de encontrar uma maneira de não parecer descolado da realidade do próprio Brasil. No Palácio do Planalto, fontes dizem que o Itamaraty está justamente trabalhando sobre esse aspecto da participação do presidente.

Lula não tem como evitar a viagem para abrir a reunião da ONU. Ele é presidente do G20, anfitrião da COP30 em 2025 e próximo presidente do Brics. A ausência do presidente brasileiro seria vista como suspeita por parte de delegações estrangeiras. A ida da comitiva brasileira a Nova York, que custará R$ 8 milhões, é considerada como "delicada".

Em 2023, Lula usou sua participação na ONU para anunciar que o Brasil estava de volta. A esperança era de que, em seu segundo ano, apresentasse dados concretos de uma mudança profunda. "Essa narrativa está, hoje, comprometida pela fumaça", admite um experiente embaixador.

Lula não viaja sozinho. Além de ministros, a comitiva é composta por Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado.

ONU preocupada

Na ONU, a esperança era de que Lula viesse com discurso e ações capazes de colocar pressão sobre os países ricos.

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Pelos acordos climáticos da ONU, fechados a partir de 2015, europeus e americanos se comprometeram a destinar US$ 100 bilhões aos emergentes para garantir a transição para uma matriz de produção sustentável.

O dinheiro nunca chegou e, tanto em Washington como nas capitais europeias, a presença de Jair Bolsonaro na Presidência do Brasil era usada como argumento para frear qualquer envio de recursos.

Lula, ao assumir em 2023, garantiu que os emergentes fariam sua parte. Mas passou a cobrar de forma enérgica os ricos sobre o paradeiro do dinheiro.

Entre diplomatas em Nova York, a percepção é de que Lula chegará enfraquecido para fazer cobranças, mesmo com uma queda real no desmatamento.

O ambientalista Fabio Feldmann destaca que a "falta de liderança efetiva no combate às mudanças climáticas traz enorme oportunidade para o Brasil, exigindo contrapartida em termos de lição de casa".

"Mas com o país ardendo em chamas e a fumaça atingindo o país inteiro e seus vizinhos, Lula perde legitimidade para ocupar esse vazio", alertou Feldmann.

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"O grave é que, como país anfitrião, o sucesso diplomático da COP30 depende da nossa capacidade de articulação diplomática com os demais países. E essa articulação exige um enorme esforço da futura presidência da COP30 no decorrer do ano que vem", analisou.

"Desprevenido e despreparado, o governo tem que atuar como bombeiro, sendo cobrado pelo Supremo Tribunal Federal", lamentou Feldmann.

Para ele, bolsonaristas e demais interessados em negar as mudanças climáticas "estão assistindo de camarote ao despreparo do governo federal diante dessa dramática situação, que atinge o país inteiro, como a péssima qualidade do ar nas cidades brasileiras demonstra".

Nesta semana, num informe apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, Volker Turk, alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, fez um alerta sobre a situação do Brasil.

"Em alguns casos, segmentos do setor privado se envolvem no comércio ilegal dos recursos de uma nação em detrimento do desenvolvimento do país e de sua população, conforme amplamente divulgado, por exemplo, na República Centro-Africana ou no leste da República Democrática do Congo", disse. "Esse também é um problema endêmico na América Latina, inclusive no Brasil e no Peru", afirmou.

António Guterres, secretário-geral da ONU, e seus assessores não disfarçam desespero diante da crise climática. Na quinta-feira, ao pedir a participação dos governos globais na cúpula do dia 22, Guterres disse que a ONU não tem "uma resposta global eficaz para ameaças novas e até mesmo existenciais".

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"Nove anos após o Acordo de Paris, a crise climática ainda está se acelerando", disse. "Nossas instituições não conseguem acompanhar o ritmo, porque foram projetadas para outra era e outro mundo", admitiu o chefe da ONU.

Fogo pode queimar credibilidade, alerta especialista

Para a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, "está precisando chover no Brasil para que as pessoas esfriem a cabeça e lidem com pragmatismo e serenidade com a urgência e a emergência climáticas".

"Afinal, as mudanças climáticas estão em curso e é preciso orientar a sociedade brasileira sobre como o país vai proceder", disse a ex-negociadora do Brasil nas conferências da ONU. "Estamos numa nova era climática e isso vai demandar educação política e novos modelos de gestão e de governança", completou.

Sergio Leitão, diretor do Instituto Escolhas, estima que os incêndios "infelizmente sufocaram e nublaram a visão até então positiva das medidas positivas do governo em relação ao desmatamento".

"O governo precisa estabelecer uma ação de combate ao fogo que é muito maior, mas muito mesmo, do que está sendo feito até agora", defendeu. "Se isso não mudar, o fogo vai queimar não só a floresta como também a credibilidade do governo", alertou.

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"Vitrine" da Amazônia bancada por JBS e Vale

Além dos discursos, Nova York ainda terá uma ofensiva por parte do setor privado e estados brasileiros para mostrar o compromisso ambiental do país.

Uma casa bancada pelo Fundo da JBS pela Amazônia e pela Vale, além de outras instituições, terá uma programação extensa sobre a questão climática no Brasil. "A Casa Amazônia traz uma experiência única na Semana do Clima de Nova York. Arte, imersão e saberes de suas cidades e florestas estarão no centro das atenções", afirma o anúncio da iniciativa.

Entre os participantes está Helder Barbalho (MDB), governador do Pará.

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