China e EUA frustram ambição do Brasil de reformar Conselho de Segurança
A ambição do Brasil de conseguir uma reforma do Conselho de Segurança da ONU recebeu dois golpes importantes. De um lado, o governo da China está trabalhando para evitar que o novo órgão conte com qualquer aliado americano ou que mantenha o peso do Ocidente na distribuição de poder.
De outro, o governo dos EUA já sinaliza que sua ideia de reforma não conta, pelo menos neste momento, com uma vaga que seria dada necessariamente para o Brasil. A Casa Branca ainda anunciou, nesta terça-feira, que "não abrirá mão do poder de veto" e que é contra dar esse poder a novos membros.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca no próximo sábado em Nova York e, a partir de domingo, fará uma série de discursos nas Nações Unidas, inclusive abrindo a Assembleia Geral, no dia 24. Mais de 30 presidentes estrangeiros solicitaram encontros bilaterais com o brasileiro, e a lista das reuniões ainda está sendo montada.
No programa está também um evento na Fundação Clinton, ao lado do ex-presidente dos EUA, Bill Clinton.
Um dos pontos principais da participação de Lula no evento será a defesa de uma reforma do Conselho de Segurança da entidade e uma mudança profunda na governança das instituições internacionais. O presidente vai propor a mais profunda transformação da entidade global, pensando inclusive numa mudança na Carta das Nações Unidas.
Qualquer gesto neste sentido exigiria o apoio de dois terços dos membros da ONU, uma tarefa das mais complicadas diante de um mundo rachado e em guerra.
Atualmente, o colegiado criado em 1945 conta com 15 membros, dos quais apenas 5 são permanentes (EUA, França, Reino Unido, China e Rússia) e têm o poder de veto.
Longe dos discursos, o projeto defendido pelo Brasil e que foi costurado com Índia, Alemanha e Japão prevê seis novos membros permanentes, que devem ser eleitos pela Assembleia Geral da ONU.
A composição da expansão incluiria:
- Dois países da África
- Dois países da Ásia
- Um país latino-americano
- Um país do Grupo Ocidental
O projeto ainda prevê 4 ou 5 novos membros não permanentes. Isso inclui:
- Um ou dois países africanos
- Um país asiático
- Um país do Leste Europeu
- Um país latino-americano
Ainda que no discurso todos defendam a necessidade de modificar o funcionamento das Nações Unidas, a realidade nos bastidores é radicalmente diferente, com as duas principais potências em um constante choque sobre o que significa de fato uma reforma.
China não quer mais países ocidentais
No caso da China, a operação da diplomacia de Pequim é a de evitar que uma ampliação do conselho inclua o Japão e outros aliados americanos, principalmente na Europa. A China tampouco quer pensar na possibilidade de que sua maior rival na região, a Índia, possa ter um lugar com o mesmo poder que ela.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberEm reuniões, os chineses chegam a questionar até que ponto um novo órgão com tais países seria "mais democrático" e insistem que, se houver uma reforma um dia, esses novos assentos devem ser destinados a países de menor porte.
Ainda que Pequim não tenha problemas com a adesão do Brasil, a realidade é que sua operação visa impedir que o modelo proposto pelo grupo composto pelos brasileiros possa vingar.
EUA jogam 'ducha de água fria' nos planos do Brasil
Uma das maiores esperanças do Brasil era que o apoio viria dos EUA, principalmente com a aproximação entre os presidente Lula e Joe Biden. O americano chegou a defender, no ano passado, que uma das vagas fosse garantida para a América Latina.
A diplomacia brasileira considerou, porém, um "banho de água fria" o discurso da embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, na semana passada. Ela confirmou que o governo Biden deu um apoio explícito à adesão de indianos, alemães e japoneses no conselho e deixou claro que não havia ainda um endosso ao Brasil. Horas depois, ele foi às redes sociais para "corrigir" a fala e dizer que o governo americano apoiava uma vaga a um país latino-americano. Mas sem que um nome tenha sido definido.
Na nova proposta dos EUA, a Casa Branca defendeu ainda que duas vagas sejam dadas para países africanos como membros permanentes, mas sem poder de veto. "Querem criar países de segunda categoria", afirmou um diplomata africano na ONU, que indicou que a União Africana se sentiu "ofendida" pela proposta.
EUA: "não abriremos mão do veto"
Nesta terça-feira, numa coletiva de imprensa em Nova York, a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, afirmou que seu governo não abrirá mão do poder de veto. E alertou que dar esse poder a novos países tornaria o Conselho ainda mais "disfuncional".
"O poder de veto foi criado quando o Conselho foi criado. Tivemos problemas sérios com seu uso. Usamos em temas importantes para nós. Ainda que eu saiba que outros governos acham que ele é disfuncional, nós não estamos prontos para abrir mão desse poder", afirmou.
"Fizemos uma decisão e essa decisão é de que não estamos prontos para abrir mão desse poder", insistiu. "Usamos para promover os interesses dos EUA. É um poder que temos e usamos. Não vou dar desculpas por isso", declarou. Para ela, os países que eventualmente entrem no Conselho devem trabalhar para que seu uso não paralise o órgão.
A embaixadora gerou uma indignação internacional ao vetar, no ano passado, uma resolução que pedia um cessar-fogo em Gaza e que foi apresentada pelo Brasil. Mas, agora, ela aponta que o veto russo no caso da Ucrânia foi um "problema".
Pacto é avanço tímido e não prevê prazo
No domingo, se as negociações conseguirem ser concluídas, os governos vão adotar uma declaração na qual vão se comprometer com uma revitalização da ONU. Mas o documento foi desidratado diante das diferenças entre os países, principalmente as potências.
No documento, os governos vão anunciar:
Reformaremos o Conselho de Segurança da ONU, reconhecendo a necessidade urgente de torná-lo mais representativo, inclusivo, transparente, eficiente, eficaz, democrático e responsável.
Rascunho do Pacto do Futuro
Para isso, alguns princípios serão adotados. E, na avaliação de experientes diplomatas, os pontos são ainda vagos sobre como seria a reforma.
Esses princípios incluem:
- Reparar a injustiça histórica contra a África como prioridade e, ao mesmo tempo em que tratar a África como um caso especial, melhorar a representação das regiões e grupos sub-representados e não representados, como a Ásia-Pacífico e a América Latina e o Caribe.
- Ampliar o Conselho de Segurança para que seja mais representativo dos atuais membros da ONU e reflita as realidades do mundo contemporâneo e aumentar a representação dos países em desenvolvimento e dos Estados de pequeno e médio porte.
- Intensificar os esforços para chegar a um acordo sobre a questão das categorias de membros.
- O número total de membros de um Conselho ampliado deve garantir um equilíbrio entre sua representatividade e eficácia.
- A questão do veto é um elemento fundamental da reforma do Conselho de Segurança. Intensificaremos os esforços para chegar a um acordo sobre o futuro do veto, incluindo discussões sobre a limitação de seu escopo e uso
Ainda que o mediador das negociações sobre o Pacto, Guy Ryder, insista que se trata de "o maior avanço sobre o conselho desde 1960", diplomatas alertam que o texto pouco diz sobre como será feita a reforma, não existe prazo nem acordo sobre como seria a composição.
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