Copa de 2034 na Arábia Saudita será em cidade que sequer existe ainda
Uma das cidades da Copa do Mundo da Arábia Saudita, em 2034, sequer existe ainda. Nesta quarta-feira, a Fifa confirmou o pleito saudita para realizar o maior evento do esporte mundial, em uma década.
No plano, porém, a surpresa é a escolha da cidade de Neom como sede. Traduzido como "Novo futuro", o complexo de cidades e estruturas fica no deserto da Arábia Saudita e tem o ambicioso projeto de representar uma reorganização de sociedade.
No complexo, cada cidade ou estrutura cumpriria uma função. A mais surreal delas é a cidade The Line, projetada para inicialmente abrigar 9 milhões de pessoas que viveriam numa linha reta de 170 quilômetros.
Nos últimos meses, porém, o projeto foi revisto. A fase inicial prevê, agora, a inauguração de uma cidade para 300 mil habitantes, com 2,5 quilômetros de extensão. O estádio ficaria 350 metros acima do nível do mar e seu acesso apenas ocorre por meio de elevadores ou de veículos sem condutores. Hoje, 100 mil trabalhadores atuam para tentar concluir as diferentes parte das obras.
Além da futura cidade, a Copa ocorrerá em outros 14 estádios em quatro cidades: Riad, Jeddah, Abha e Al-Khobar. O provável palco da final e da abertura, o Estádio Internacional Rei Salman, terá capacidade para mais de 92 mil pessoas.
Usando o Catar como uma "experiência exitosa" de reposicionamento da marca país no mundo, os sauditas indicam que a Copa é o auge de uma estratégia de transformar o esporte em plataforma política e diplomática. Desde 2021, o país investiu mais de US$ 6 bilhões para atrair eventos e atletas, entre eles Cristiano Ronaldo, Karim Benzema ou Neymar.
Ainda em 2018, os príncipes sauditas cortejaram a Fifa para convencer seus cartolas a realizar a segunda Copa no Oriente Médio no espaço de apenas doze anos.
O projeto do complexo Neom faz parte de um plano maior dos sauditas de reinventar o próprio país, já pensando em uma era pós petróleo.Não haverá carros, e um trem vai levar uma pessoa de uma ponta a outra. Dois prédios de 500 metros de altura cada ainda estão sendo previstos, enquanto espelhos vão servir como uma espécie de muro para separar a nova urbanização do deserto.
Com emissões zero e organizado graças à inteligência artificial, o local é a visão da distopia. Ironicamente, sua obra é bancada justamente com as receitas do petróleo que, nas últimas décadas, permitiu que os sauditas acumulassem o maior fundo soberano do mundo, com US$ 770 bilhões.
O cenário futurístico já começou a ser construído, com as autoridades em Riad insistindo que se trata do maior canteiro de obras do planeta. Oficialmente, são 260 escavadoras na região e 2.000 tratores na operação. Por semana, eles retiram 2 milhões de metros cúbicos de terra, o equivalente a 800 piscinas olímpicas.
Nada disso ocorre apenas por um capricho do príncipe herdeiro Mohamed Bin Salman, que se apresenta como o "reformador". As obras fazem parte da estratégia estabelecida pelo regime para que os sauditas repensem a inserção internacional do país e sua própria base econômica.
Conhecido como Visão 2030, o projeto prevê investimentos de US$ 3,2 trilhões (R$ 16 trilhões) para modernizar o país, reduzir a dependência ao petróleo e preparar a sociedade para uma nova era. Mas nada disso inclui nem a ampliação dos direitos para determinados grupos e nem uma abertura política.
A meta, segundo as autoridades, é abandonar uma economia com base no petróleo para erguer uma economia com base na produtividade. O desenvolvimento industrial ainda prevê estabelecer uma marca, a Made in Saudi, aumentar os investimentos de tecnologia e, no fundo, recriar a identidade nacional.
Para as entidades de direitos humanos, a suposta modernização do país ocorre num clima no qual as autoridades prenderam dissidentes pacíficos, intelectuais públicos e ativistas de direitos humanos e sentenciaram pessoas a penas de prisão de décadas por postar em mídias sociais.
"As práticas abusivas nos centros de detenção, incluindo tortura e maus-tratos, detenção arbitrária prolongada e confisco de bens sem qualquer processo legal claro, continuam sendo generalizadas", afirma a Human Rights Watch.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberSegundo a entidade, as reformas anunciadas pelo príncipe Mohamed Bin Salman "são gravemente prejudicadas pela repressão generalizada sob o comando do governante". Em 12 de março de 2022, as autoridades sauditas executaram 81 homens, a maior execução em massa em décadas, apesar das recentes promessas de reduzir o uso da pena de morte.
O grupo ainda denuncia o despejo forçado de centenas de pessoas para o desenvolvimento da Neom. A entidade se diz alarmada pelos planos para "The Line". A cidade em camadas verticais utilizará fortemente a inteligência artificial e a tecnologia de "interface homem-máquina". "Isso gera "preocupações sobre o uso da tecnologia digital para vigiar os futuros residentes", dizem os ativistas de direitos humanos.
"O governo saudita é famoso por reprimir a dissidência pública e tem um histórico bem estabelecido de tentativas de se infiltrar em plataformas tecnológicas e usar tecnologia avançada de vigilância cibernética para espionar dissidentes", diz a entidade.
Segundo eles, dezenas de ativistas e defensores dos direitos humanos sauditas continuaram a cumprir longas sentenças de prisão por criticarem as autoridades ou defenderem reformas políticas ou mais direitos para mulheres.
Nada disso parece ser um problema para o regime. Para se apresentar ao mundo com um novo rosto, os palcos já estão montados. Os sauditas serão a sede da Expo 2030. Em 2034, será a vez de receber a Copa do Mundo.
Mas uma das maiores polêmicas foi a decisão de dar ao regime saudita o direito de sediar a Olimpíada de Inverno da Ásia, em 2029. Os jogos ocorrerão numa outra cidade que ainda não existe, Trojena, projetada para estar concluída em 2026 e que promete ter neve "o ano todo".
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