Entidades cobram posição do governo Lula diante de repressão de Maduro
A repressão do governo de Nicolás Maduro, às vésperas de sua posse para mais um mandato, leva as entidades de direitos humanos no Brasil a cobrar do Itamaraty e do Palácio do Planalto um posicionamento público.
Numa carta enviada ao governo Lula, as entidades ARTIGO 19 Brasil e América do Sul, Associação Brazil Office, Conectas Direitos Humanos, Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Human Rights Watch, Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Transparência Eleitoral Brasil, destacaram "a profunda preocupação com o desaparecimento de Carlos Correa, diretor executivo da organização Espacio Público".
O documento, obtido pelo UOL, foi enviado para o chanceler Mauro Vieira, e para o chefe da Assessoria Especial do Presidente da República, Celso Amorim.
O grupo solicitou ao governo brasileiro que "manifeste pública e diplomaticamente sua preocupação em relação ao desaparecimento de Carlos Correa". Eles ainda insistem sobre a "importância de uma resposta urgente e coordenada da comunidade internacional para a crise na Venezuela".
"O Brasil possui uma posição estratégica nesse sentido e, particularmente, para promover o fortalecimento de iniciativas e políticas regionais que promovam a liberdade de expressão e a proteção de comunicadores e defensores de direitos humanos", avaliam.
Correa foi visto pela última vez no centro de Caracas, onde teria sido interceptado por indivíduos encapuzados, supostamente agentes estatais. Desde então, não há informações sobre seu paradeiro.
Segundo as entidades, Carlos Correa é um "reconhecido comunicador social e pesquisador, que trabalha há mais de 20 anos pela defesa e promoção dos direitos humanos e da liberdade de expressão na Venezuela". "Segundo seus familiares, possui necessidade de tratamento de saúde constante e imediato, o que agrava as preocupações acerca de seu paradeiro", disseram.
De acordo com as entidades, o desaparecimento de Correa ocorre em um contexto de "agravamento das violações de direitos em curso no país".
A carta destaca que a Venezuela é o único país da América do Sul classificado como em "crise" no exercício do direito à liberdade de expressão. "Esses dados reforçam a necessidade de monitoramento internacional e pressão diplomática para reverter a escalada de repressão no país", recomendam.
"Nesse sentido, com a aproximação da posse de Nicolás Maduro, reafirmamos a necessidade de que o Brasil siga desempenhando um papel ativo e comprometido na promoção da democracia e na defesa dos direitos humanos na América Latina e, particularmente na Venezuela - como manifestamos em carta enviada em 26 de dezembro de 2024", pedem as entidades.
ONU soa alerta
Na carta, as entidades fazem referência ao fato de a Missão Internacional de Verificação de Fatos sobre a Venezuela, das Nações Unidas, ter denunciado o aumento de casos de detenções arbitrárias e desaparecimentos forçado. Nesse contexto, a Missão investigou cerca de 39 detenções arbitrárias, 29 desaparecimentos no período que antecedeu as eleições e 27 casos após a divulgação dos resultados.
Nesta quinta-feira, a missão da ONU ainda alertou que "as recentes prisões, incluindo as de proeminentes defensores dos direitos humanos, líderes políticos e seus parentes, constituem mais um ataque aos direitos e liberdades do povo venezuelano".
"Nos últimos dois dias, a Missão registrou 16 prisões ou apreensões em vários estados do país, tendo como alvo líderes políticos, defensores dos direitos humanos e até mesmo parentes de figuras da oposição", alertou a comissão.
"Reiteramos que todas essas violações de direitos humanos e crimes podem acarretar responsabilidade criminal individual sob o direito internacional para aqueles que os praticam, bem como para aqueles que os ordenam ou autorizam", disse Marta Valiñas, presidente da Missão. "Essas detenções geram um medo generalizado entre a população e impedem que muitas pessoas se expressem livremente ou realizem seu trabalho legítimo em defesa dos direitos humanos", completou.
A comissão ainda pediu "urgentemente a divulgação imediata do paradeiro dos indivíduos detidos, garantindo que eles sejam salvaguardados e protegidos pela lei". "Todos os indivíduos detidos arbitrariamente devem ser libertados imediata e incondicionalmente", insistiu.
A posse de Maduro, marcada para esta sexta-feira, se transformou num momento de tensão no país e na região.
Em julho de 2024, a eleição em Caracas foi concluída com o anúncio por parte de Maduro de que teria sido o vencedor para mais um mandato como presidente. A oposição denunciou uma fraude e insistiu que seu candidato, Edmundo Gonzalez, teria vencido.
Nos últimos dias, o opositores visitou alguns dos principais líderes da região, numa operação para tentar ganhar legitimidade e enfraquecer Maduro.
Já o governo brasileiro evitou falar em fraude. Mas insistiu que não reconheceria a eleição enquanto as atas com os resultados não fossem apresentadas. Os documentos nunca foram publicados e uma crise diplomática se instaurou entre Brasília e Caracas. O governo Maduro chegou a atacar o assessor especial de Lula, Celso Amorim, e acusou a diplomacia brasileira de estar à serviço dos interesses americanos.
Fontes diplomáticas, agora, apontam que o governo não enviará um ministro ou representante de alto escalão para a posse. Mas, ainda assim, será representado pela embaixadora do Brasil em Caracas, Gilvania de Oliveira.
Brasília busca, assim, manter uma porta aberta com o presidente venezuelano para que possa mediar uma saída política para a crise. Mas não eleva sua representação, numa sinalização de que as condições colocadas pelo Brasil não foram atendidas.
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