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A resistência de professores tem salvado o ensino brasileiro do caos total
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É no mínimo curioso e simbólico que justo um ministro da Educação tenha sido a pá de cal que faltava para o governo Bolsonaro às vésperas das eleições. Acusado por corrupção num esquema com verbas do Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia vinculada à pasta, o ex-ministro Milton Ribeiro, que já havia dado um tiro acidental no aeroporto e ferido uma funcionária, agora se vê como pivô de mais uma grave crise no governo.
Desde sua campanha em 2018, os discursos de Bolsonaro e os ataques contra a educação e a cultura já demonstravam que havia claramente um projeto de destruição do sistema educacional. Após sua eleição, talvez nenhuma outra pasta tenha sido tão instável e polêmica como a do ministério da educação nos últimos anos. Pois foi justamente esse mesmo ministério tão combalido que agora se torna o grande escândalo de corrupção do governo Bolsonaro.
É preciso lembrar que houve de tudo nesses quase 4 anos de mandato: tentativas de interferência nas provas do Enem pelo próprio presidente da república, o entra e sai na diretoria do Inep, tentativas de militarizar as escolas públicas, tentativas de ressuscitar o "Escola sem Partido", ideias delirantes do ensino doméstico, tentativas de criminalização de discussões sobre gênero, linchamento do educador Paulo Freire nas redes bolsonaristas e agora por último a proibição da linguagem neutra nas escolas (o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Mello, sancionou no último dia 18 de junho a lei que proíbe o uso da linguagem neutra nas escolas municipais; Sebastião é alinhado com o projeto bolsonarista).
Além disso, a falta de estabilidade no ministério com a troca constante de ministros ocasionou também a falta de continuidade de programas importantes e a destruição de outros. O ministério da educação foi comandado por pessoas sem a formação e nenhum compromisso com as pautas educacionais. Relembre: O primeiro ministro, Ricardo Vélez, permaneceu apenas quatro meses no cargo. Vélez solicitou revisões nos livros didáticos para trocar a expressão "Ditadura" por "Revolução", além disso, determinou que as escolas filmassem as crianças cantando o hino nacional.
Após a exoneração de Vélez, quem assumiu a pasta foi o economista Abraham Weintraub. Sua passagem também foi marcada por polêmicas envolvendo ataques xenofóbicos, conflitos com a comunidade acadêmica e a participação em manifestações que exigiam o fechamento do Congresso e a prisão de ministros do STF. A exoneração de Weintraub se deu após pressão para que ele deixasse o cargo. Dias depois, o nome do também economista Carlos Alberto Decotelli foi indicado, mas este não chegou a tomar posse em função de inconsistências no seu currículo acadêmico, que não comprovava os títulos de doutorado e pós-doutorado que afirmava ter. Após essa passagem relâmpago, chegou a vez do então ministro Milton Ribeiro, que já chegou com comentários homofóbicos ao relacionar a homossexualidade com famílias desajustadas.
A impressão que se tem, ao fazer essa breve retrospectiva, é que o ministério da educação foi ocupado por malucos e com um objetivo muito claro: impor uma agenda ultradireitista, conservadora e religiosa. Uma agenda fascista e sem compromisso com o que propunha Paulo Freire: uma educação libertadora. Os danos provocados por esse projeto são incalculáveis e talvez demoremos décadas para nos recuperarmos.
No entanto, com os holofotes voltados para o escândalo de corrupção no MEC, devemos nos perguntar de que modo o ensino brasileiro sobreviveu e tem sobrevivido a tantos desmandos, corrupção e a falta de projeto educacional? Fui professor de escola pública e privada por muitos anos e sei bem que, nesse entra e sai de governos, as escolas públicas, principalmente, sempre sofreram com a precariedade das estruturas físicas e pedagógicas. A diferença é que, no governo Bolsonaro, destruir o pouco que já tínhamos tornou-se seu principal objetivo.
Estou certo de que a educação não sucumbiu totalmente e que não entramos num caos completo porque professores e professoras, educadores e educadoras resistiram às investidas fascistas. Estou certo de que as teorias de Paulo Freire soaram nas práticas dos docentes, e que cada professor fez e continua fazendo o melhor que pode em meio a tantos desmandos de um governo que optou pelo ódio, pelas armas e não pelo conhecimento. Estou certo de que professores e professoras seguem acordando cedo todos os dias para ensinar. Seguem com suas aulas mesmo que as condições não sejam as ideais. Os professores seguem, pois sabem que o que fazem é importante. Porque os governos passam, o fascismo passa, mas os professores, o conhecimento e os livros permanecem. Ainda bem.
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