Jeferson Tenório

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Zambelli passeia em Bonito enquanto homem que ela perseguiu segue condenado

No início do mês de julho, fui convidado a participar de um evento literário na cidade de Bonito, em Mato Grosso do Sul. Foram três dias de palestras, apresentações e sessões de autógrafos. No último dia, antes de voltar para casa, eu e minha companheira decidimos fazer um passeio em um dos parques da cidade.

O pacote de duas horas incluía a caminhada em uma trilha de 800 metros, depois um mergulho de superfície no rio para ver peixes e a vegetação, terminando com uma caminhada até um centro de recuperação de animais silvestres.

No parque, fomos recebidos pelo guia que iria nos acompanhar em todo o trajeto. Trocamos as roupas de passeio por roupas emborrachadas e recebemos orientações básicas.

A trilha era organizada em grupos de 10 pessoas e não conhecíamos ninguém. Entretanto, antes de partirmos, surgiu um casal que estava atrasado. Demorei um pouco para me dar conta de que se tratava da deputada Carla Zambelli acompanhada do marido, o coronel Aginaldo Oliveira.

Algumas pessoas também a reconheceram e a trataram como uma celebridade. Alguns estavam embevecidos por terem a "sorte" de passar duas horas das suas vidas com ela.

Nesse meio tempo, eu e minha companheira chamamos o guia e dissemos que não queríamos fazer parte daquele grupo, pois havia pessoas no grupo com as quais não queríamos conviver. O guia nos olhou, depois olhou para Carla Zambelli, e perguntou se éramos políticos também. Respondi que não.

O guia, então, se mostrando um pouco impaciente, disse para a gente não se preocupar porque ali ninguém iria falar de política, que todo mundo estava ali para se divertir.

Na hora, me senti internamente ofendido e pensei em dizer que, na verdade, não seria bom esse tempo de convivência, pois não queria correr o risco de ser perseguido por ser um homem negro. Mas preferi dizer que, simplesmente, não iriamos naquela turma. Conseguimos, por fim, e para nosso alívio, ir no grupo seguinte.

Lembrei deste fato porque nesta semana a Justiça de São Paulo negou um habeas corpus para o jornalista Luan Araújo, que foi perseguido por Carla Zambelli às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais em 2022.

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Luan Araújo, que ficou sob a mira da arma de Carla Zambelli.
Luan Araújo, que ficou sob a mira da arma de Carla Zambelli. Imagem: Reprodução/GloboNews

Para quem não se lembra, Luan foi perseguido por Zambelli, que empunhava uma arma pelas ruas dos Jardins, zona sul da capital paulista. Após o ocorrido, o jornalista escreveu um artigo dizendo que a deputada "segue uma seita de doentes de extrema direita" e "segue cometendo atrocidades atrás de atrocidades".

Por conta do artigo, Luan foi processado pela deputada e condenado por difamação a uma pena de oito meses de detenção em regime aberto. Depois, a punição foi substituída pela prestação de serviços comunitários.

Negar o pedido de habeas corpus revela uma Justiça, por vezes, seletiva e que confirma as estatísticas históricas: condenar pretos e pardos com muito mais frequência.

Além disso, a condenação segue uma lógica conhecida: transformar a vítima em agressor. E, embora as imagens de Carla Zambelli perseguindo Luan, um homem negro, sejam bastante fortes e didáticas, elas não foram suficientes para que Luan não fosse condenado.

Isso sem falar que Zambelli se contradiz ao defender a liberdade de expressão e depois processar o jornalista por conta do que ele escreveu. Ou seja, a extrema direita defende a liberdade de expressão somente quando quer ofender, mas quando recebe críticas processa por difamação.

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Por outro lado, a deputada ainda é ré no Supremo Tribunal Federal em processo por porte ilegal de armas de fogo e constrangimento ilegal com emprego de arma de fogo contra o jornalista Luan.

No entanto, Carla Zambelli, por ter foro privilegiado, só poderá ser julgada pela Corte superior. A PGR (Procuradoria Geral da República) pede que o STF condene Carla a pagar uma multa de R$ 100 mil por danos coletivos e a decretação da pena de perdimento da arma de fogo, além do cancelamento do porte de arma.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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