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Jeferson Tenório

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaristas arrependidos: perdoar ou não perdoar, eis a questão?

Alexandre Frota desistiu de fazer parte da equipe de transição alegando ter sofrido preconceito - André Porto/UOL
Alexandre Frota desistiu de fazer parte da equipe de transição alegando ter sofrido preconceito Imagem: André Porto/UOL

Colunista do UOL

28/11/2022 04h00

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silvia (PT) trouxe à tona os ressentimentos nutridos pelos últimos anos de governo Jair Bolsonaro (PL). E com razão. Foram quatro anos de ataques diários às instituições, quatro anos de desmandos e desrespeitos às minorias, ao meio ambiente, à saúde e à cultura. Quatro anos de políticas de destruição e de acenos sistemáticos ao fascismo e ao autoritarismo.

Após a vitória de Lula, as equipes de transição começaram a ser montadas. No entanto, dias atrás, Alexandre Frota desistiu de fazer parte da equipe de transição da cultura alegando ter sido atacado nas redes sociais e ter sofrido preconceito por parte da classe artística

Em primeiro lugar, é preciso entender que a reeleição de Bolsonaro poderia dar continuação ao processo golpista que vinha se desenhando e que, agora, após sua derrota, toma forma de modo escancarado, ao contestar o resultado das urnas com argumentos estapafúrdios. Isto é, o que estava em jogo nesta última eleição, não era apenas alternância de poder, mas um risco iminente do próprio processo democrático quebrar, desde a redemocratização nunca estivemos tão próximos do fascismo como política de governo.

Dito isso, devemos lembrar também que estamos ainda há poucas semanas do término do processo eleitoral, um processo desgastante e de acirramento dos ânimos. Um movimento cansativo de convencimento, combate às fake news, discussões na família, nas ruas, atos de violências, intimidações de patrões em empregados e assim por diante. Não foi fácil e não está sendo um processo dentro da normalidade democrática. Ainda estamos no calor da hora. Os atos golpistas, ainda que em menor número, seguem bloqueando estradas.

Por outro lado, o desejo de reparar o estrago bolsonarista bate de frente com o pragmatismo político de distribuição de cargos em nome de uma frente ampla que dê sustentação e base ao novo governo. Esse é o jogo político. No entanto, o que temos de novo aí é a escalada autoritária bolsonarista que contou com o apoio de muita gente e, que, após alguns meses ou anos de governo Bolsonaro, se arrependeram.

O arrependimento é um movimento difícil porque pressupõe uma reavaliação e um reconhecimento do erro. Entretanto, me parece que o nó, no caso de Alexandre Frota, passa muito mais por uma questão de "time", do que de preconceito, como ele mesmo argumentou.

Perdoar não significa esquecer o que aconteceu. Veja, Alexandre Frota protagonizou inúmeros ataques aos artistas brasileiros, aderiu ao discurso bolsonarista e ajudou a criar um ambiente nefasto para esses mesmos artistas. Entretanto, no meio do caminho, Frota passou a ser um crítico contundente a Bolsonaro e foi uma figura importante no apoio para a eleição de Lula.

A questão, portanto, não é nem se Frota deve ou não deve ser perdoado, porque em política isso não significa nada. Na política, os arranjos e combinações de interesses partidários são mais importantes do que categorias subjetivas como o perdão. A questão é que estar numa equipe de transição da cultura, justamente numa pasta sensível e tão atacada pelo governo e que teve a participação de Frota, não me parece ter sido uma boa ideia agora.

Não acho que as pessoas não podem se arrepender e que isso não seja genuíno, mas é preciso tempo para que as coisas se acomodem. O músico Tico Santta Cruz escreveu em um tweet que não guarda mágoas nem rancores, que não é revanchista ou vingativo, mesmo que tenha sido atacado e, ainda, desejou que Frota continue fazendo seu trabalho para ganhar reconhecimento.

Talvez seja mesmo por aí. Porque não se faz política com ressentimento. Por outro lado, não se pode exigir que se esqueça tudo o que aconteceu. Quem perdoa não esquece, mas pode estabelecer uma nova relação com outro, vai depender do que será feito daqui por diante. Vamos ver.