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Jeferson Tenório

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Caso Vini Jr. já é um marco histórico na luta antirracista global

Vinícius Jr. aponta para torcedor após sofrer ofensas racistas em Valencia x Real Madrid - Quality Sport Images/Getty Images
Vinícius Jr. aponta para torcedor após sofrer ofensas racistas em Valencia x Real Madrid Imagem: Quality Sport Images/Getty Images

Colunista do UOL

23/05/2023 11h24Atualizada em 23/05/2023 11h24

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Assim como Rosa Parks, ativista negra que, em 1955, no Alabama (EUA), se recusou a ceder um lugar no ônibus para uma pessoa branca, ou ainda quando Martin Luther King liderou um movimento para que negros pudessem entrar numa piscina num hotel em 1965, a atitude do jogador Vinicius Jr. diante de torcedores racistas deve ser encarada como mais desses marcos históricos que pontuam um posicionamento importante na luta contra o racismo.

Encarar esse episódio como um marco nos ajuda a ter uma dimensão histórica, lúcida e complexa da recorrência do racismo. Após toda a reação global, que extrapolou o ambiente futebolístico e ganhou, com isso, contornos diplomáticos, a Europa tem agora uma grande oportunidade para se pensar e se reconhecer como racista. É dolorido olhar para as próprias feridas colonialistas, mas necessário e urgente. Sem essa reflexão profunda, não sairemos de punições individuais, que são importantes, mas não atacam o problema em sua essência.

O avanço da extrema-direita na Europa não pode servir como desculpa para que nada seja feito ou para encarar a violência racial apenas como crime de ódio. A naturalização do racismo é um dos instrumentos de sobrevivência do próprio racismo. A banalidade do mal, como diria a filósofa Hannah Arendt, não consiste em pensar a maldade como algo banal, mas como um projeto social que faz a maldade se passar por algo banal. Como algo sem importância, comezinho e corriqueiro.

Nesse sentido, a estrutura do futebol parece ser um espaço próprio para isso, como se torcer pudesse estar acima de tudo. Um lugar para extravasar as paixões. Um lugar onde um xingamento racista pode ser minimizado, pois, num estádio, no calor da hora, tudo é permitido, como se a lei, ali dentro, perdesse toda a autoridade.

O caso de Vini Jr. é feito de eventos absurdos. O presidente da liga espanhola acusa Vini Jr. de manchar a imagem do Real Madrid. Em outras palavras, o que ele está dizendo é o seguinte: olha, se você foi chamado de macaco pelo estádio inteiro, se penduraram um boneco enforcado com o número da sua camisa, fique quieto, sua reclamação pode atrapalhar o nosso campeonato. Este tipo de argumento é a evidência mais cristalina de que a manutenção do racismo é um projeto, fruto de uma ideologia e de uma herança colonialista muito mal resolvida.

As reações a esses episódios racistas de Vinicius Jr. infelizmente não irão acabar com o preconceito, porque não existe bala de prata contra o racismo. Não há um antídoto único, não há um remédio único. Cuidemos para não cairmos nessa armadilha. A questão está para além da punição de torcedores, clubes e ligas. A questão está na sociedade espanhola, está na Europa e em como essas práticas racistas são naturalizadas há séculos.