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Josias de Souza

Congresso explode bomba na fantasia de Bolsonaro

Marcos Brandão/Ag. Senado
Imagem: Marcos Brandão/Ag. Senado

Colunista do UOL

12/03/2020 04h16

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Numa evidência de que há males que vêm para pior, Brasília reage à pandemia do coronavírus com uma epidemia de insensatez. Um dia depois de conhecer o diagnóstico de Jair Bolsonaro, segundo o qual há "muito mais fantasia" do que realidade na crise que alarma o planeta, o Congresso decidiu submeter o governo a um tratamento de choque.

Por ampla maioria, senadores e deputados explodiram dentro da fantasia do capitão um gasto de R$ 20 bilhões. Despesa anual e obrigatória, destinada a ampliar a clientela de velhinhos miseráveis e deficientes que recebem benefício mensal de um salário mínimo. Não há dinheiro no Tesouro Nacional. O que faz do absurdo uma decisão maravilhosa, a ser executada por uma espécie de capitão Alice no país dos espelhos.

A abertura do paiol do Legislativo fez cair a ficha de Paulo Guedes. Antes da explosão, a pasta da Economia reduzira a previsão de crescimento para 2020 de 2,4% para 2,2%. Depois do barulho, o Posto Ipiranga disse a parlamentares que o país corre o risco de amargar um novo pibinho de 1%. No intervalo de algumas horas, o prognóstico oficial evoluiu da gripe leve para a pneumonia aguda.

Foi a segunda pauta-bomba que o Congresso impôs a Bolsonaro no período de um ano. Uma explosão está intimamente ligada à outra. Na primeira, os parlamentares detonaram em março de 2019 um artefato de 2015. Coisa concebida para explodir no colo da então presidente Dilma Rousseff. Entre os signatários da peça estavam, suprema ironia, o então deputado Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo, o Zero Três.

Aprovou-se um ajuste constitucional que tornou impositivas as emendas enfiadas dentro do Orçamento da União pelas bancadas estaduais. Foi como se os congressistas dissessem a Bolsonaro: "Não quer entregar as verbas? Pois nós vamos tomar na marra!" Além das emendas individuais, cuja execução já era impositiva, os partidos passariam a administrar algo como R$ 30 bilhões do Orçamento de 2020.

Tudo foi concebido com frieza maquiavélica. Subscritor da emenda que terminou explodindo no seu colo, não no de Dilma, Bolsonaro ficou diante de duas alternativas: ou colocava um sorriso no meio da cara chamuscada ou reconhecia que era um sujeito irresponsável na época em que rubricou a emenda. Coube ao filho Eduardo sorrir amarelo.

Além de votar a favor da bomba, o Zero Três foi ao microfone do plenário. Dirigindo-se a Rodrigo Maia, que presidia a sessão, ele declarou: "Só queria deixar aqui a nossa posição favorável à PEC, parabenizar Vossa Excelência. Realmente é uma pauta que, quando Jair Bolsonaro era deputado federal, ele e eu fomos favoráveis."

Agora, em vez de implementar o orçamento impositivo que subscreveu como deputado e que avalizou indiretamente por meio do voto do filho, Bolsonaro preferiu se fingir de morto. Chegou a autorizar a celebração de um acordo pelo qual metade da cifra de R$ 30 bilhões seria devolvida para o governo. Mas recuou. Fez pior: atiçou o asfalto para roncar contra o Congresso no próximo domingo.

Quer dizer: Bolsonaro tenta fazer o Congresso de idiota. Com a segunda pauta-bomba, os congressistas informam ao presidente que ele não encontrará material. Enquanto aguardam pelo ronco do pedaço bolsonarista do asfalto, os parlamentares oferecem o mimo de R$ 20 bilhões aos velhinhos miseráveis. E desafiam o capitão a se indispor com milhares de votos residentes nos fundões do Brasil.

Cria-se uma despesa bilionária numa hora em que Paulo Guedes pede pressa na votação das reformas econômicas. Em reunião emergencial convocada depois da nova explosão, o ministro disse aos comandantes de um Congresso em pé de guerra que a saída para a pandemia que Bolsonaro chama de "fantasia" passa pelo Legislativo.

"A solução é política", declarou o ministro. "Se nós conturbarmos o ambiente político por um lado, o Congresso reage por outro lado e aprova mais despesas. Não são as que nós queremos, derrubamos o teto [de gastos], vamos para a Lei de Responsabilidade Fiscal, o governo trava os recursos. Onde nós vamos parar?".

Paulo Guedes talvez devesse repetir a pergunta no gabinete presidencial. Diz-se que o governo de Jair Bolsonaro não tem rumo. Engano. Mantido o cenário atual, o rumo do governo é o da crise.