Inventário dos erros de Bolsonaro na crise do vírus
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Na crise do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro acorrentou a sua Presidência ao erro. Aos poucos, o capitão vai compondo uma espécie de antimanual. É como se desejasse realçar os equívocos, comentendo-os em série.
Se a estratégia de Bolsonaro funcionar, ele será candidato a gênio da humanidade, não apenas à reeleição. Por enquanto, frequenta a conjuntura mundial na companhia dos ditadores da Bielorússia, do Turcomenistão e da Nicarágua.
Vai abaixo um inventário dos principais erros cometidos por Bolsonaro:
Subestimou o problema:
Submetido a uma crise, o presidente precisa dimensioná-la. Nessa hora, convém olhar para o que há diante dos pés. Em 10 de março, discursando para empresários em Miami, Bolsonaro preferiu olhar para as nuvens. Declarou que muito do que se falava sobre coronavírus era "fantasia".
Bolsonaro soou enfático: "Não é isso tudo que a grande mídia propaga." Horas depois, o orador viajaria de volta para o Brasil trazendo no avião presidencial uma comitiva com mais de duas dezenas de infectados com o coronavírus. Olhando para o céu, entrou na crise com o pé esquerdo. Não enxergou a cratera à sua frente.
Perdeu uma oportunidade:
Um presidente não consegue realizar todos os seus sonhos. Mas pode evitar a realização de alguns dos seus pesadelos se encarar crise como oportunidade. O coronavírus ofereceu a Bolsonaro a chance de agigantar-se, comandando um esforço nacional de guerra capaz de unificar a federação. Ele preferiu se abster.
Em vez de elevar sua estatura, Bolsonaro rebaixou o pé-direito do gabinete presidencial. Não se deu conta do seguinte: cada vez que um presidente imagina que um problema de proporções nacionais não é seu, sua atitude passa a ser um dos principais problemas.
Fabricou brigas:
Para um presidente, só há uma coisa pior do que uma crise: duas crises. Ou três crises. Ou quatro. Num instante em que precisaria colecionar aliados, Bolsonaro fabricou brigas. Converteu seu filho Carlos Bolsonaro no primeiro vereador federal da história.
Transferido da Câmara Municipal do Rio para uma sala no Planalto, o Zero Dois dedica-se a criar os fantasmas que assombram Bolsonaro. Hospedado no Alvorada, leva trabalho para casa, estimulando o pai a tirar sangue das assombrações. O capitão juntou na trincheira oposta governadores, prefeitos, Congresso e Supremo. Brigou com todo mundo, menos com o vírus.
Confundiu imprensa com fogo:
À frente de uma Presidência piromaníaca, Bolsonaro abusa do velho truque de atribuir ao pedaço da imprensa que o imprensa um comportamento incendiário. Ofende a lógica e a inteligência alheia. A imprensa não produz fogo. Ela apenas expõe a fumaça, as fagulhas e as chamas.
Se Bolsonaro mudar seus hábitos, abandonando a caixa de fósforos e o galão de gasolina, a imprensa mudará de assunto. Numa crise, se o presidente começasse a produzir soluções, as manchetes que insistissem em tratá-lo como parte do problema perderiam o nexo e a credibilidade.
Seguiu maus conselhos:
Numa crise, brotam conselheiros ao redor do presidente. Bolsonaro ouviu gente sem farda e militares. Confundindo civis com civilidade, adotou sugestões de personagens como o filho Flávio Bolsonaro e o amigo Osmar Terra. Do primogênito, recolheu a sugestão de contrapor a saúde da economia à vida das pessoas. Do amigo, adotou a tese de que os jovens deveriam desafiar o vírus nas ruas. Isolamento? Coisa para velhos.
Confundindo generais com generalidades, Bolsonaro adotou a moderação recomendada pelos seus ministros militares apenas como encenação. O bom senso manifestado num instante foi substituído pela retórica encrespada no momento seguinte. Faltou a Bolsonaro seguir o único conselho útil a qualquer presidente: nunca deixe para amanhã um mau conselho que você pode deixar hoje.
Puniu a competência:
Em tempos de calmaria, presidente que frita ministros é capaz de tudo. Em meio a uma crise, presidente que leva à frigideira seu principal ministro revela-se incapaz de todo. Ao nomear Henrique Mandetta para o cargo de ministro da Saúde, Bolsonaro vendeu-o como um técnico. Não colou.
Antes do vírus, Mandetta era um obscuro ministro da Saúde, mais conhecido como ex-deputado de pouca expressão do que como médico. Depois do vírus, Mandetta tornou-se um desses pequenos navegadores que devem o aperfeiçoamento de suas biografias aos grandes temporais. Podendo associar sua Presidência à popularidade do auxiliar, Bolsonaro preferiu fritar a competência. Carbonizou-se.
Apostou na confusão:
Durante uma crise, é essencial que o presidente inspire confiança. Bolsonaro enfrenta a crise do coronavírus cavalgando a ambiguidade. Exibe firmeza típica de um sujeito que, para pregar um prego sem o risco de machucar o dedo, segura o martelo com as duas mãos. Alegou ter demitido o ortopedista Mandetta porque ele defendia o isolamento social sem levar em conta a proteção dos empregos.
Nomeou para o lugar de Mandetta o oncologista Nelson Teich. Que fala de economia, mas não encampa o anti-isolacionismo do novo chefe, com quem diz ter "alinhamento completo". O risco desse tipo de união é o de acabar como mais um desses casamentos em que o marido e a mulher atingem um estágio em que jamais discutem, porque se dão conta de que, na verdade, já nem se falam.
Encostou 2022 na UTI:
De erro em erro, Bolsonaro conseguiu transformar o som das panelas na trilha sonora do resto do seu governo. O alarme da impopularidade soa nas janelas, nas varandas e nas redes sociais numa intensidade com a qual o capitão não estava acostumado. Pela primeira vez desde a posse, Bolsonaro enfrenta um opositor real: o vírus.
Numa crise, o presidente deve pisar a conjuntura de mansinho, desviando dos espinhos. Bolsonaro prefere apostar alto. Se estiver certo na sua aversão a um isolamento social adotado ao redor do mundo, ele se tornará candidato a gênio do século. Se estiver errado, fará campanha em 2022 não em cima do palanque ou nas redes sociais, mas ao lado de uma pilha de cadáveres.
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