Topo

Josias de Souza

Bolsonaro atira contra o pé ao satanizar o asfalto

Colunista do UOL

05/06/2020 01h48

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A raiva foi uma grande aliada de Jair Bolsonaro na eleição presidencial de 2018. Mas perdeu a serventia em 1º de janeiro de 2019. Depois da posse, a raiva virou uma perda de tempo para Bolsonaro. Ao satanizar o pedaço do asfalto que se opõe ao governo, classificando genericamente de "marginais", "terroristas" e "viciados" todos os insatisfeitos, o presidente demonstra não ter percebido que sua obrigação agora é fornecer resultados e esperança.

Bolsonaro insiste na raiva porque imagina ser possível reproduzir a fórmula de sucesso. Como candidato, bastava repetir que tiraria a economia do buraco, dissolveria a coalizão com corruptos e governaria com o povo. Como presidente, o mesmo Bolsonaro minimizou uma pandemia que virou a agenda econômica do avesso, coligou-se com o centrão e acentuou a divisão da sociedade.

Faltam saúde, emprego e decência. Admita-se que o presidente não é responsável por todos os problemas. Mas ele tem a responsabilidade de se apresentar como parte da solução. E a demonização indiscriminada dos insatisfeitos não salva vidas, não cria empregos nem afasta dos cofres públicos os apadrinhados dos prontuários do centrão.

Num país normal, ninguém desafiaria o vírus em manifestações de rua. Mas o Brasil virou uma espécie de monarquia na qual reina a insensatez. O monarca prestigia aglomerações em que os súditos sacodem faixas defendendo o fechamento dos outros Poderes. E trata como bandidos todos os que ousam se manifestar contra.

Numa democracia convencional, a ocupação do asfalto é um direito do cidadão. E a prisão dos bandidos que descerem ao meio-fio é um dever do Estado. O resto é insensatez e desperdício de tempo de quem ainda não se deu conta de que o excesso de raiva tornou-se apenas uma nova modalidade de tiro contra o próprio pé.