Investigado, Bolsonaro quer regalia dada a Temer
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Os eleitores de Jair Bolsonaro viveram para testemunhar uma coreografia inusitada. Investigado na Suprema Corte sob a acusação de tramar o aparelhamento da Polícia Federal, o presidente da "nova política" pede para ser tratado como Michel Temer, o antecessor que deixou o Planalto arrastando as correntes de três denúncias criminais.
Normalmente irascível, Bolsonaro encena o papel de capitãozinho paz e amor. Espera ser correspondido por Celso de Mello, decano do Supremo e relator do inquérito sobre a PF. Mandou dizer que gostaria de ser interrogado pela delegada federal Christina Correa Machado por escrito, não tête-à-tête. Alega que a regalia já foi concedida a Temer no inquérito sobre Portos.
O relator do inquérito contra Temer era Luís Roberto Barroso. Os operadores jurídicos de Bolsonaro recuperaram o despacho divulgado pelo ministro em outubro de 2017. Nele, Barroso anotou:
"Quanto à oitiva do Excelentíssimo Senhor Presidente da República [Temer], à falta de regulamentação específica -e observada a estatura da função-, estabeleço que se observe a regra prevista no art. 221, do Código de Processo Penal referente à oitiva de autoridades pelo juiz, no processo judicial, na condição de testemunhas."
O ministro acrescentou: "Assim, mesmo figurando o senhor presidente na condição de investigado em inquérito policial, seja-lhe facultado indicar data e local onde queira ser ouvido pela autoridade policial, bem como informar se prefere encaminhar por escrito sua manifestação, assegurado, ainda, seu direito constitucional de se manter em silêncio."
Para desassossego de Bolsonaro, Celso de Mello revelou-se mais severo do que Barroso nessa matéria. Encaminhou na última sexta-feira pedido para que o Procurador-Geral da República Augusto Aras se manifeste sobre o formato do depoimento do presidente. Mas já havia antecipado sua posição, num despacho inserido no mesmo processo.
Para Celso de Mello, autoridades só podem depor por escrito quando são intimadas como testemunhas. A prerrogativa "não se estende nem ao investigado nem ao réu", escreveu. "Independentemente da posição funcional que ocupem na hierarquia de poder do Estado, deverão comparecer perante a autoridade competente em dia, hora e local por ela unilateralmente designados".
O Planalto dá de barato que Aras opinará a favor da oitiva à moda Temer, com distanciamento social entre a delegada e o investigado. Mas Celso de Mello não é obrigado a adotar a opinião do chefe da Procuradoria. Para atender aos anseios de Bolsonaro, o decano teria de protagonizar algo muito parecido com um cavalo de pau.
Se Celso de Mello mudar de posição, não será por conta dos acenos de Bolsonaro. No Supremo, o amor do capitão é visto como um não sei o quê, que surge não sei de onde, e acaba não sei como.
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