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Josias de Souza

Acordão da cueca passa sujeira a sujo no Senado

Colunista do UOL

21/10/2020 05h32

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De tanto ser brasileiro contemporâneo, o cidadão nascido nesta terra de palmeiras vai adquirindo certa prática. A contragosto, adapta-se à lógica do lugar, pois há método na desfaçatez. O Brasil deixou de ser imprevisível. Tornou-se um país absurdamente previsível.

O Senado alcançou uma façanha: passou a sujo o escândalo da cueca endinheirada. Fez isso num instante em que há no ar uma fome de limpeza. Davi Alcolumbre, presidente da Casa, tricotou um acordão que acomodou a imundície em baixo do tapete —com o Supremo, com tudo.

Todos saíram ganhando, exceto a moralidade, que continua perdendo. Empurrado para uma licença de 121 dias, o dono da cueca trancou-se em seus rancores sem abrir mão das prerrogativas de parlamentar.

Assume a poltrona de senador o "cueca júnior". Filho e suplente do "cueca sênior", ele passará a desfrutar de todas as regalias que o déficit público pode pagar -de moradia a motorista, de médico a dentista.

A banda corporativa do Senado pode exercitar o seu espírito de corpo —ou de porco— sem precisar gravar as digitais no painel eletrônico.

O ministro Luís Roberto Barroso, que afastara a cueca do mandato por 90 dias, sentiu-se à vontade para dar meia-volta. Livrou-se de sofrer uma derrota no plenário do Senado. Armava-se ali uma emboscada contra a sanção cautelar.

O presidente do Conselho de Ética, Jayme Campos, pode colocar no freezer o pedido de cassação do mandato da cueca.

O DEM, partido coabitado por Chico Rodrigues, Davi Alcolumbre e Jayme Campos, continuará se fingindo de morto, como se nada tivesse sido descoberto pela polícia.

O maior inconveniente de toda essa movimentação é o convívio com políticos e autoridades que agem no pressuposto de que vivem num país de bobos. Essa gente parece decidida a acordar o asfalto.