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Recorde da pandemia: novo chefe da Saúde se queima antes da posse
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Se não está todo mundo meio doido no governo Bolsonaro, o brasileiro está completamente. A caminho da marca de 300 mil mortos por covid, o país foi brindado com um espetáculo inusitado. Os dois supostos ministros da Saúde do Brasil dançam em meio aos cadáveres a coreografia da insanidade. Nela, os malucos somos nós.
O Brasil está mais surrealista do que o habitual. A gestão Bolsonaro tem dois ministros da Saúde. Mas o país sabe que só deve confiar em ambos até certo ponto —o ponto de interrogação. A política sanitária não é do ministro A ou B. Prevalece o anti-cientificismo do presidente da República.
A inépcia subiu à cabeça de Eduardo Pazuello. A caminho da porta de saída, o general estufa o peito como uma segunda barriga para vangloriar-se do "sucesso" de sua gestão na pasta da Saúde. "Vou entregar um ministério organizado, funcionando e com tudo pronto", ele declarou.
À espera da cerimônia de posse, o cardiologista Marcelo Queiroga virou uma mudança sem nexo ao dançar o balé da preservação, com Pazuello esclarecendo que a transição é de "continuidade", pois o sucessor "reza a mesma cartilha."
Submetido ao horror das UTIs lotadas, o brasileiro fica confuso quando ouve Pazuello, o ministro que sai, ditando normas de comportamento que Bolsonaro sempre desprezou."Vamos mudar hábitos. Hábito de usar máscara, de lavar as mãos. Hábito de manter o grau de afastamento social..."
A confusão da plateia aumenta quando Queiroga, o ministro que entra dizendo estar acorrentado às diretrizes de um presidente em guerra com governadores, declara que é essencial "uma união nacional para o enfrentamento à pandemia." O vírus é tão contagioso que infectou até o brocardo: a União faz a farsa.
Ávida por vacinas, a plateia flerta com o sentimento de culpa ao escutar Queiroga dizer que ninguém deve ficar "esperando que o governo resolva tudo", pois "é preciso uma corrente nacional para que consigamos êxito nesse grande desafio." Recém-chegado à Esplanada, o doutor ainda não percebeu que o país já não espera muito do governo. Na atual conjuntura, a esperança é a última que mata.
A sensação de culpa é potencializada pela dificuldade que o brasileiro tem de dar ouvidos ao otimismo de Pazuello. Com um halo de glória em sua volta, o general disse que as medidas preventivas devem ser suficientes para "evitar um grande número de mortos e continuar a vida na maior normalidade possível".
Pazuello entoou algo parecido com uma exortação: "Vamos trabalhar, estudar, ensinar, treinar tropas, produzir, viver normalmente com cuidados preventivos. Essa é a nossa missão." Os mais de 280 mil brasileiros mortos pela covid não terão como executar a missão do general.
Numa entrevista ao lado de Pazuello, na Fiocruz, Queiroga recitou o bordão do novo chefe: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos". É como se o futuro ministro, às vésperas de assumir o desafio, acalentasse a esperança de que do fundo do caos sanitário surja uma solução divina.
Queiroga faz bem em unir seus conhecimentos médico-científicos ao misticismo. Ao desfilar pela conjuntura na companhia de Pazuello, o doutor queimou-se antes de tomar posse.
O "novo" ministro precisará mesmo de auxílio celestial para exercer a desafiadora função. Não será fácil firmar-se como mantenedor do sucesso de um antecessor que Bolsonaro demitiu por excesso de eficiência. Nesse ambiente, a própria ideia de solução é um culto ao fracasso.
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