Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Acuado, Bolsonaro fornece a pólvora que pode explodir o seu próprio mandato
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No papel de si mesmo, Bolsonaro protagoniza encenações regulares para sua plateia de devotos no cercadinho do Alvorada. Exibe-se em duas sessões diárias, na saída e na chegada. Na apresentação matutina desta quarta-feira, exagerou na teatralidade. Injetou um "barril de pólvora" na conjuntura. E insinuou que aguarda a "sinalização do povo" para riscar o fósforo.
No momento, o inquilino do Planalto enfrenta algo muito parecido com um cerco. Um ministro do Supremo, Luís Barroso, presenteou-o com uma CPI. A decisão foi avalizada pelo plenário. Uma ministra da Corte, Rosa Weber, promoveu uma lipoaspiração nos seus decretos armamentistas. Outra magistrada, Cármen Lúcia, pediu a inclusão na pauta de denúncia-crime que o acusa de genocídio contra indígenas na pandemia.
E Bolsonaro: "Amigos do STF, daqui a pouco vamos ter uma crise enorme aqui. Vi que um ministro baixou um processo para me julgar por genocídio... Olha, quem fechou tudo, quem está com a política na mão não sou eu. Agora, não quero brigar com ninguém, mas estamos na iminência de ter um problema sério no Brasil. O que nascerá disso tudo, onde vamos chegar? Parece que é um barril de pólvora que está aí. E tem gente, de paletó e gravata, que não quer enxergar isso."
A última vez que Bolsonaro falou em pólvora foi em novembro do ano passado. Insinuou na época que poderia usar a força para proteger a Amazônia de hipotéticas incursões patrocinadas pelos Estados Unidos, sob Joe Biden. Na diplomacia, lecionou o capitão, "quando acabar a saliva, tem que ter pólvora." Tudo o que o capitão conseguiu com sua piada belicosa foi potencializar a antipatia do novo presidente americano à sua belicosa figura.
Começou no último domingo (11) e vai até esta quinta-feira (15), a primeira viagem de um representante do governo Biden à América do Sul. Chama-se Juan Gonzalez. Ocupa a função de diretor sênior para o Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional. Seu roteiro inclui Colômbia, Argentina e Uruguai. O Brasil foi excluído. De resto, a gestão Biden sinaliza a intenção de retirar o apoio da Casa Branca ao ingresso do Brasil na OCDE caso o Planalto não vire do avesso sua política antiambiental.
Bolsonaro ainda não notou. Mas sua valentia revela-se improdutiva também no ambiente interno. Com a popularidade em queda, tornou-se um presidente da cota do centrão. Com os cofres em ruínas, ensaia o rompimento do teto de gastos. Eleito por 58 milhões de brasileiros para presidir, informa que "o Brasil está no limite", pois "a fome, a miséria e o desemprego estão aí." E proclama, em timbre de ameaça, que está "aguardando o povo dar uma sinalização" para tomar as devidas "providências."
Todos estão em cima do mesmo barril de pólvora. O que Bolsonaro demora a perceber é que, graças ao instinto nacional de sobrevivência, suas metáforas apocalípticas podem ser usadas para explodir o que resta do mandato que ele se empenha em incendiar.
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