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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Nome do desastre ambiental do Brasil é Bolsonaro, Salles é apenas o apelido

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

22/04/2021 04h47

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O maior erro que se pode cometer na área ambiental é atribuir a Ricardo Salles toda a responsabilidade pela ruína ambiental que produziu nos dois primeiros anos do atual governo as mais altas taxas de desmatamento na Amazônia Legal desde 2008. Salles é mero coadjuvante, um vaqueiro que passa os bois. Bolsonaro é o protagonista, o dono da boiada.

O Ministério do Meio Ambiente é um dos que receberam o selo de ideológico que transforma pedaços da Esplanada em puxadinhos do Planalto. Nessa pasta, o capitão esgrimiu basicamente as mesmas ideias que manejou durante quase três décadas vida parlamentar. Com uma diferença: Na Câmara, Bolsonaro discursava para as paredes. No Planalto, arruinou em dois anos a boa imagem internacional que o país levou 29 anos para construir.

Com altos e baixos, o Brasil vinha conquistando uma imagem de mocinho ambiental desde a Eco-92, a conferência mundial das Nações Unidas sobre meio ambiente que o Rio de Janeiro sediou. Sob Bolsonaro, tornou-se rapidamente um vilão planetário. Chegou à Cúpula do Clima convocada por Joe Biden nessa condição agindo com um método inusual.

- HERANÇA MALDITA

É comum que presidentes da República sejam acusados pelos sucessores de deixar um legado amaldiçoado. Bolsonaro inovou. Em apenas 28 meses, produziu uma herança maldita para si mesmo. Agora, pressionado por uma conjuntura adversa que foi potencializada pela derrota de Donald Trump nos Estados Unidos, o capitão promove no setor ambiental o mesmo cavalo de pau retórico que executou na crise sanitária.

O problema é que, a exemplo do que sucede na pandemia, o novo discurso sobre Meio Ambiente tende a imunizar o governo Bolsonaro contra as críticas com a mesma taxa de eficácia da cloroquina no tratamento contra a covid-19. O que o mundo espera do governo brasileiro no momento é um bom lote de resultados práticos, não o plano caça-níquel redigido em cima do joelho para obter $ocorro internacional.

Há propostas que são tão inovadoras que só serão devidamente compreendidas daqui a um século. Não é o caso das teses de Bolsonaro para o Meio Ambiente. Estas só podem ser perfeitamente entendidas no século passado. Algumas foram camufladas sob terminologia moderna. Por exemplo: "Bioeconomia".

Para ambientalistas respeitados, a bioeconomia é a exploração responsável da biodiversidade amazônica para levar desenvolvimento econômico à região. Para Bolsonaro e seu preposto no Meio Ambiente, significa favorecer madeireiros e garimpeiros que trafegam à margem da lei. Tramita no Congresso projeto enviado por Bolsonaro para regulamentar a mineração e a pecuária em terras indígenas.

- RETÓRICA DESTOA DA PRÁTICA

Bolsonaro agora fala em intensificar operações de fiscalização e controle ambiental. Algo que não orna com a desmontagem que seu governo promoveu em órgãos como Ibama e ICMBio. Tampouco combina com a advocacia administrativa que Ricardo Salles realizou em benefício de madeireiros pilhados na maior apreensão de madeira ilegal da história. Está em desarmonia também com portaria editada sob Salles para submeter multas lavradas por fiscais do Ibama à censura dos chefes.

A prática ambiental do governo harmoniza-se perfeitamente com os compromissos assumidos com deputados e senadores da bancada ruralista. Bolsonaro recebeu-os para um café da manhã em julho de 2019. Fez a seguinte saudação: "Ao longo de 28 anos dentro da Câmara eu acompanhei e, mais do que isso, eu acredito que votei 100% com a bancada ruralista. Muitas vezes as questões nasciam ali como se fossem um parto de rinoceronte: era imprensa batendo em vocês, eram ONGS e eram também governos de outros países."

Bolsonaro afirmou aos comensais que o Brasil errou muito na área ambiental, pois "foi deixando acontecer" a criação de reservas indígenas e de unidades de conservação ambiental. Já naquela época, pronunciou uma frase que se revelaria uma variante precoce do célebre enunciado de Salles sobre a conveniência de aproveitar a pandemia para ir passando a boiada. Disse Bolsonaro no desjejum de 2019: "Nós temos que não fazer. Primeiramente, é desfazer o que foi feito para depois fazer." Muito já foi desfeito. Há muito por fazer.

O capitão informa ao mundo que precisa de $ocorro. Esclarece que um naco do dinheiro que espera receber será usado num programa de regularização fundiária (pode me chamar de legalização de terras griladas, inclusive em reservas indígenas).

- ELOGIO À MATANÇA DE ÍNDIOS

Vale a pena atrasar o relógio para ouvir um discurso que o deputado Jair Bolsonaro pronunciou na Câmara em novembro de 1992. O então presidente Fernando Collor acabara de formalizar a reserva indígena Ianomâmi. E o capitão: "...Com a indústria da demarcação das terras indígenas, assim como Quebec quase se separou do Canadá, num curto espaço de tempo, os Yanomamis poderão, com o auxilio dos Estados Unidos, vir a se separar do Brasil."

Dois anos e cinco meses depois, em abril de 1998 Bolsonaro discursou assim na Câmara: "A cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema em seu país. Se bem que não prego que façam a mesma coisa com o índio brasileiro."

Um personagem assim precisaria virar-se do avesso para que suas promessas de realizar um governo ambientalmente responsável fossem levadas a sério. Teria de nascer de novo para obter dinheiro estrangeiro para seus projetos.

Ricardo Salles diz ser possível reduzir o desmatamento no Brasil em até 40% se os Estados Unidos e outras nações estrangeiras repassarem para o governo Bolsonaro US$ 1 bilhão. Em declaração feita à BBC, o ministro Norueguês do Meio Ambiente, Sveinung Rotevatn, foi ao ponto:

"A Noruega e outros países enfatizaram em conversas recentes com o Brasil que a comunidade internacional está preparada para aumentar o financiamento ao Brasil assim que o Brasil apresentar resultados na redução do desmatamento. Diminuir o desmatamento no curto prazo é uma questão de vontade política, não de falta de financiamento adiantado."

A Noruega era responsável por 90% das doações bilionárias que financiavam o Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES. Bolsonaro e Salles implodiram o fundo. Enxergavam nele um ninho de ONGs. Afugentaram os doadores. Agora, passam o pires.