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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Ciro Nogueira tira Bolsonaro para dançar coreografia do centrão na CPI

O presidente do PP. Ciro Nogueira, presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente do PL Valdemar Costa Neto  -  Agência Brasil .
O presidente do PP. Ciro Nogueira, presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente do PL Valdemar Costa Neto Imagem: Agência Brasil .

Colunista do UOL

28/04/2021 12h49

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Na correlação de forças da CPI da Covid, a bancada não alinhada com o Planalto soma sete votos. Minoritário, o esquadrão de Bolsonaro, que dispõe de quatro votos, encolheu na sessão inaugural da Comissão Parlamentar de Inquérito. Ciro Nogueira (PP-PI), visto como uma espécie de general da tropa do Planalto no Senado, ornamentou com o seu voto a eleição do "independente" Omar Aziz (PSD-AM) para a presidência da CPI e a escolha do "oposicionista" Renan Calheiros (MDB-AL) para o posto de relator da investigação legislativa.

O jogo duplo é uma especialidade de Ciro Nogueira. Quem olha por um ângulo, enxerga um estrategista que, sabendo que Aziz venceria mesmo sem o seu voto, fez um movimento estratégico para manter desobstruído um canal de interlocução do Planalto com o G-7, o grupo que dá mão forte ao relator Renan. Quem observa por outro ângulo, vê apenas o mesmo velho Ciro Nogueira de sempre, um político que não apoia senão a si mesmo.

Presidente do PP, partido que liderou o ranking de encrencados no petrolão, Ciro Nogueira parece fazer política inspirado numa filosofia do Barão de Itararé. Consiste em viver às claras, aproveitando as gemas e sem desprezar as cascas. Em 2018, participou da cerimônia de casamento dos partidos do centrão com a candidatura presidencial de Geraldo Alckmin (PSDB). Sentou-se à direita do candidato. Na saída, praticou adultério olhando para a esquerda. Declarou que votaria em Lula se o morubixaba do PT fosse candidato.

Lula estava preso. Todos sabiam que eram diminutas as chances de a divindade petista disputar o Planalto. Mas Ciro concorria à reeleição para o Senado pelo Piauí. Nesse pedaço do mapa, o PT dava as cartas e Lula ainda reinava. Alckmin não passava de um desconhecido. "Temos uma aliança lá [no Piauí] com o governador Wellington Dias (PT)", Ciro explicou na época. "Temos uma proximidade muito grande com o presidente Lula. Estamos esperando a definição. Se o presidente vier a ser candidato, nós votaríamos no presidente Lula lá."

E quanto à coligação com o PSDB?, perguntou-se a Ciro Nogueira. E ele: "Não tiraria o PP da aliança com Alckmin de forma nenhuma. Estou aqui exprimindo a vontade da maioria. Quase a totalidade dos diretórios o escolheu."

Às vésperas de fechar com Alckmin, Ciro declarava amor eterno ao xará Ciro Gomes (PDT). Na votação do impeachment, prometera ser fiel a Dilma Rousseff. Horas depois, após certificar-se de que o vento soprava noutra direção, votou a favor da guilhotina. De saída, o PP ganhou de Michel Temer dois ministérios e a presidência da Caixa Econômica Federal.

Na sucessão de 2018, embora fosse egresso do PP, o partido presidido por Ciro Nogueira, Bolsonaro frequentava o palco como presidenciável do PSL. Caprichava na teatralização. Havia negociado com Valdemar Costa Neto, dono do PL, outra legenda do centrão que fechou com Alcimin, a indicação de Magno Malta para a vaga de candidato a vice em sua chapa. Deu errado. E o capitão passou a cuspir no prato em que não conseguiu comer. "Obrigado, Geraldo Alckmin, por ter unido a escória da política brasileira", declarou.

Hoje, responde pela coordenação política do Planalto uma deputada avalizada pela "escória": Flávia Arruda (PL-DF). Ela tem as bênçãos de Valdemar e o apoio do PP de Ciro e do presidente da Câmara Arthur Lira (AL). Fechado com Bolsonaro na CPI, Ciro recebeu um afago definitivo de Renan Calheiros: "Para além de qualquer divergência, nenhum dos senhores é mais meu amigo quanto meu amigo é o senador Ciro Nogueira", disse o relator que leva pânico ao Planalto.

Quer dizer: Ciro exerce na CPI da Covid o papel de sempre. Será a favor de tudo e absolutamente contra qualquer outra coisa. Desde que seus interesses particulares sejam atendidos. Estará com Bolsonaro enquanto lhe parecer conveniente. No momento, tira o presidente para dançar na CPI a coreografia fluida do centrão.