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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Sem impeachment, o que vem pela frente é um Bolsonaro sem juízo e sem rumo

3.Jul.2021 - Boneco de Bolsonaro inflado em Brasília - Hanrrikson de Andrade/UOL
3.Jul.2021 - Boneco de Bolsonaro inflado em Brasília Imagem: Hanrrikson de Andrade/UOL

Colunista do UOL

05/07/2021 02h40

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O ronco das ruas e a pauta corrosiva da CPI enfraquecem Bolsonaro sem derrubá-lo. Nem os mais fervorosos adversários do capitão apostam na aprovação do impeachment. Mas até os aliados mais empedernidos do presidente já duvidam das chances de sua reeleição.

Confirmando-se o sentimento geral, Bolsonaro já iniciou o caminho de volta do Planalto para a planície. O que vem pela frente é o epílogo hipertrofiado de um martírio. O país suportará por um ano e meio a falta de juízo e a ausência de rumo de um presidente que já entrou para a galeria dos piores do ramo.

A forma como Bolsonaro reincide nos próprios erros levou-o a construir uma espécie de herança maldita para si mesmo. A parte mais visível desse legado amaldiçoado é a tragédia sanitária. Mas a pane gerencial não atinge apenas a Saúde. As principais políticas públicas do país estão no caminho do brejo.

A estrutura do Meio Ambiente foi devastada. A política externa desvirtuou a imagem internacional do Brasil. A política de Segurança Pública limita-se à disseminação de armas. Os generais do Planalto são mais conhecidos do que o ministro da Educação. O procurador-geral não procura. A Polícia Federal ganhou coleira.

Na área econômica, acumulam-se problemas —do desemprego à inflação, da falta de energia à falta de vacinas. Mas a prioridade de Bolsonaro é a pauta eleitoral. Os desejos do candidato —Bolsa Família vitaminado, reajuste salarial para os servidores e verba para obras eleitoreiras— são maiores do que o caixa. O que leva o governo a ameaçar com a alta de impostos.

Em política, o melhor momento para mudar é antes que a mudança se torne necessária. Bolsonaro fez uma opção preferencial pelo erro. A ruína lhe chega sempre em dobro, pois não são apenas os erros do capitão que sabotam o seu governo, mas a maneira como ele age depois de cometê-los.

No caso de Bolsonaro, um personagem que nunca teve apreço pelas instituições democráticas, a falta de espaço para manobrar é um convite para a reiteração de extravagâncias.

O presidente chama de "pilantras" os rivais da CPI sem se dar conta da pilantragem que o rodeia. Coloca numa mesma frase as "minhas Forças Armadas" e as ameaças de virar a mesa se não for implantado o voto impresso. Fornece material para a abertura de inquéritos no Supremo e acha que o problema está nas togas.

Em 2015, quando ainda era apenas um deputado do baixíssimo clero, Bolsonaro protocolou na Presidência da Câmara um pedido de impeachment de Dilma Rousseff. Anotou na peça o seguinte:

"Mais do que despreparo, mostra-se evidente a omissão da denunciada ao deixar de adotar medidas preventivas e repressivas para combater o câncer da corrupção em seu governo, mantendo, perto de si e em funções de alta relevância da administração federal, pessoas com fortes indícios de comprometimento ético e desvios de conduta. Deixou de agir em defesa da sociedade da qual é responsável máxima na administração pública."

Decorridos seis anos, Bolsonaro poderia reler o que escreveu sobre Dilma defronte do espelho. Talvez enxergue na imagem refletida um presidente omisso, protetor dos maus costumes e negligente na defesa do bem jurídico mais valioso de uma sociedade: o direito à vida.

Será um suplício acompanhar cada manhã do ocaso de um presidente cuja precariedade é ilimitada.