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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Amor de Bolsonaro pela mentira é plenamente correspondido, revela Datafolha

Adriano Machado/Reuters
Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

18/09/2021 05h08

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A semana começou com uma declaração de amor de Bolsonaro às fake news: "Faz parte da nossa vida". O presidente tratou o flagelo com carinho inaudito: "Quem nunca contou uma mentirinha pra namorada?". A semana chega ao fim com a revelação do Datafolha de que o amor do capitão pela mentira nunca foi tão correspondido.

A grossa maioria do eleitorado (85%) ouve Bolsonaro com a pulga atrás da orelha — 57% nunca confiam naquilo que o presidente da República declara, 28% confiam só de vez em quando. Apenas uma minoria (15%) confia 100% no que escorre dos lábios do suposto chefe da nação. O nível de desconfiança em relação às falas do capitão nunca foi tão alto.

O país se deu conta de que Bolsonaro opera num mundo com duas verdades: a dele e a verdadeira. O primeiro Bolsonaro personifica a nova política, abomina a corrupção, afugenta o comunismo e cultua um versículo do Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". O outro Bolsonaro, retratado pelo Datafolha, é parecido com o primeiro, só que mente um pouco.

Tanto desapreço pelos fatos acabou convertendo Bolsonaro numa espécie de fake presidente. Justiça se lhe faça: ninguém chega a tal posição por acaso. Não é que o personagem flerta esporadicamente com a inverdade. Não, não, absolutamente. É preciso reconhecer que o progresso de Bolsonaro está alicerçado na mentira. O Brasil só piora. Mas as finanças do clã presidencial não param de melhorar.

A família Bolsonaro prosperou na vida pelo trabalho duro —trabalho do contribuinte. A dinastia desfruta de todos os confortos que o suor do brasileiro é capaz de pagar. O patriarca é um grande defensor do patriotismo e da instituição familiar. Educou os filhos para amar a bandeira verde e amarela. Os rapazes não hesitaram em seguir os passos do pai. Casaram-se com a pátria. E foram morar no déficit público.

Bolsonaro refugiou-se num contracheque do Estado pela primeira vez aos 18 anos, quando entrou para o Exército. Hoje, à frente do governo civil mais militar da história, o capitão se jacta da origem castrense, embora tenha sido expurgado do quartel pela porta dos fundo apenas 15 anos depois de sentar praça. Político há 32 anos, Bolsonaro já acumula mais tempo de rachadinha do que de farda.

Presidente há quase três anos, Bolsonaro faz aos brasileiros o favor de se sacrificar pelo bem da coletividade. Queixou-se em 21 de julho: "Costumo dizer aos meus amigos: não queiram essa cadeira, que isso aqui tem Kriptonita, brocha o Super-homem, que dirá eu!" Há uma semana, reclamou: "A vida de presidente não é fácil. Se alguém quiser trocar comigo, troco agora."

Para Bolsonaro, a Presidência é "uma missão de Deus." Sem receio de que a CPI da Covid o convoque para uma acareação com o Todo-Poderoso, o capitão se oferece para resolver até os problemas que o brasileiro não sabia que tinha. Por exemplo: o comunismo.

Nesta sexta-feira, de passagem por Minas Gerais, Bolsonaro tranquilizou o país: "Uma das coisas que mais me confortam é saber que naquela minha cadeira lá em Brasília não está sentado um comunista." Confirmou que estará em Nova York na próxima terça-feira. Discursará na abertura da Assembleia Geral da ONU. Anunciou que dirá algumas "verdades" sobre o Brasil. Tremei, mundo!

Antes mesmo de ouvir as "verdades" que Bolsonaro despejará sobre a tribuna da ONU, o brasileiro, já vacinado contra as mentiras do orador, percebe que a vida de presidente é muito fácil, difícil é ser presidido diariamente por Bolsonaro. Se a passagem do capitão pelo Planalto serve para alguma coisa é para provar que governar o Brasil não é tão difícil.

O horário é bom, o dinheiro é razoável, viaja-se de graça para Nova York, passeia-se de moto nos finais de semana, e há sempre a possibilidade de demitir o ministro Marcelo Queiroga, que deve proporcionar uma sensação muito boa. Por uma trapaça da sorte, Bolsonaro acredita que a falta do voto impresso desvirtuará as urnas eletrônicas que já lhe concederam tantos mandatos eletivos.

Dias atrás, em resposta às mentiras sobre urnas eletrônicas que Bolsonaro repetiu nos palanques de 7 de Setembro, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, chamou-o de "farsante". Ecoando a maioria que se expressou por meio do Datafolha, Barroso disse que o lema de Bolsonaro é diferente daquele que está anotado em João 8:32. "Conhecereis a mentira, e a mentira vos aprisionará", declarou o magistrado. Barroso pode ter soado premonitório.