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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula dá de presente para Bolsonaro os sequestradores de Abílio Diniz

Colunista do UOL

20/06/2022 21h47

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O petismo tinha tudo para estar tranquilo. À frente nas pesquisas, Lula parece ter a eleição nas mãos. Seu índice de intenção de votos e a inépcia do principal adversário estimulam a crença de que o triunfo pode chegar no primeiro turno. Paradoxalmente, proliferam petistas aflitos ao redor do favorito. Deve-se o desassossego à percepção de que o sistema operacional de Lula dá pau com frequência incomum. Voltou a ferver na viagem a Alagoas, na sexta-feira. Do nada, Lula presenteou Bolsonaro com uma memória afetiva sobre os sequestradores de Abílio Diniz.

Lula atrasou o relógio em 24 anos para escorregar numa casca de banana de 1998. Discursando para uma plateia companheira, lembrou ter procurado o então ministro da Justiça Renan Calheiros, que assistia ao discurso, e o presidente tucano Fernando Henrique Cardoso, para interceder em favor dos bandidos estrangeiros. Pediu para "mandar soltar" os "dez jovens que cometeram um erro."

Nesta segunda-feira, Bolsonaro fez para os seus devotos no cercadinho do Alvorada uma pergunta que os petistas fazem para os seus botões: "Por que o Lula tocou nesse assunto, alguém tem ideia?" Ao responder, o capitão demonstrou o quanto gostou do presente recebido do rival: "Ele deu um recado para todos os narcotraficantes e bandidos do Brasil: 'Estamos juntos'."

Bolsonaro fez o dever de casa. Dividiu os sequestradores por nacionalidade: "...Eram cinco chilenos, dois argentinos, dois canadenses e um brasileiro." Realçou a reincidência: "Estavam no segundo sequestro. Havia um pedido de resgate de US$ 30 milhões pelo Abílio Diniz." Ironizou o fato de Lula ter rebatizado de "equívoco" o crime de sequestro.

Na ocasião em que mereceram a atenção de Lula, os bandidos faziam greve de fome na cadeia. Deixariam de ingerir também líquidos. "Aí é morte certa", constatou Lula. Aconselhado por Renan, procurou FHC. "Eu disse: Fernando, você tem a chance de passar para história como um democrata ou como o presidente que permitiu que dez jovens que cometeram um erro morressem na cadeia, e isso não vai apagar nunca".

Os sequestradores foram extraditados para seus países. Antes, por exigência de FHC, Lula teve de visitá-los no cárcere, para certificar-se de que interromperiam a greve de fome. Um casal bem-nascido ganharia a liberdade pouco depois da extradição para o Canadá.

Não há notícia de nova visita que Lula tenha feito à cadeia ou a gabinetes de Brasília para interceder em favor de brasileiros pobres encarcerados sem sentença. Quatro em cada dez presos no Brasil ainda não foram sentenciados.

Anos depois, em viagem a Cuba, Lula foi questionado sobre a situação de presos políticos que faziam greve de fome num cárcere de Havana. Comparou-os a bandidos comuns das cadeias brasileiras. Não lhe ocorreu pedir que Raúl Castro abrisse as celas dos cubanos que cometeram a ousadia de se opor.

Até os petistas têm dificuldades para compreender Lula. Em condições normais, o fornecimento de material para que Bolsonaro o acuse de estar do lado da criminalidade faria do líder máximo do PT um político precário.

Num instante em que Bolsonaro vincula o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips a uma "aventura" que dá aos homicídios a aparência de um duplo suicídio, o presente de Lula ao rival parece coisa de candidato amador.

Considerando-se que Lula tinha à sua disposição também o caso de Genivaldo de Jesus Santos, o defeito pode ser mais grave do que parece.

Bolsonaro defendeu dias atrás que é preciso fazer no caso de Genivaldo, assassinado num camburão de gás por três policiais rodoviários federais, uma "justiça sem exageros", pois a mídia, quando pressiona, sempre escolhe "o lado da bandidagem".

Com tanta matéria-prima nova para fustigar o adversário, Lula preferiu entrar na máquina do tempo para buscar no passado munição para fornecer a Bolsonaro. Seu defeito talvez não se restrinja ao sistema eleitoral. Pode ser necessário trocar o software de Lula.