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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Família Bolsonaro usa senador Do Val para desacreditar Alexandre de Moraes

Marcos do Val não sabe onde estava nem o que disse. Quer se passar por maluco? Foto: Reprodução/Facebook
Imagem: Marcos do Val não sabe onde estava nem o que disse. Quer se passar por maluco? Foto: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

02/02/2023 19h18

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A denúncia de que Bolsonaro, sob inspiração do ex-deputado Daniel Silveira, tramou grampear Alexandre de Moraes para pescar uma indiscrição verbal que levasse à anulação da vitória de Lula veio do senador bolsonarista Marcos do Val. Pendurado nas redes sociais de madrugada, um vídeo de Do Val caiu sobre a manhã ensolarada de Brasília como um míssil. Em poucas horas, verificou-se que o enredo de Do Val foi elaborado à moda do inesquecível Chacrinha. Não veio para explicar, veio para confundir.

No vídeo madrugador, o senador trombeteou revelação que sairia em notícia da revista Veja. Nela, Do Val declara ter sido "coagido" por Bolsonaro em dezembro a participar de um golpe. Utilizando escuta do Gabinete de Segurança Institucional, arrancaria de Moraes a admissão de que pisou fora da Constituição para prejudicar Bolsonaro. Do Val avisou a Moraes sobre o plano de enviá-lo para a cadeia. Adicionando dramaticidade ao vídeo, o senador renunciou ao mandato.

A ribalta do golpe rendeu a Do Val entrevistas em série. O timbre ácido do acusador foi se tornando aguado. A denúncia ganhou a aparência de uma trama da família Bolsonaro para desacreditar Xandão, como o bolsonarismo se refere ao presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal. Entre um holofote e outro, o denunciante recebeu visita de Flávio Bolsonaro e telefonema de Eduardo Bolsonaro. A dupla o demoveu da ideia de renunciar.

Os filhos 01 e 03 adulando um acusador do pai é coisa jamais vista. Normalmente, preferem triturar os traidores. Preservado, Do Val ajustou a prosa. Sumiu do roteiro a ideia de coação. Bolsonaro virou espectador de uma proposta de golpe verbalizada por Daniel Silveira. A presença do GSI no lance virou uma "suposição" do denunciante.

De repente, um pulo do gato: Do Val lembra que se reuniu com Moraes não uma, mas duas vezes. Perguntou se deveria ir à reunião com Bolsonaro e Silveira. "Informação é sempre bom", teria estimulado o ministro. Posteriormente, após ouvir relato sobre o golpe, Moraes não tomou providências. Nesse enredo, o algoz de Bolsonaro passa de potencial vítima de um grampo ilegal a juiz relapso, um reles prevaricador. De resto, Do Val insinuou que dispõe de munição contra Flávio Dino, o ministro da Justiça de Lula.

Simultaneamente, o primogênito Flávio Bolsonaro foi ao microfone do plenário do Senado para confirmar, com hedionda naturalidade, que o encontro do pai com Do Val realmente aconteceu. Teria o objetivo de "demover pessoas que estavam nessa reunião de fazer algo inaceitável, absurdo e ilegal", declarou, lançando ao mar Daniel Silveira, agora um sem-mandato.

Por uma dessas fatais coincidências, o picadeiro montado por Do Val e pelos Bolsonaro ocorre num instante em que a Polícia Federal ouviu dois depoimentos. Num, Valdemar Costa Neto, o dono do PL, partido de Bolsonaro, foi instado a explicar as "várias propostas" de minuta de golpe que diz ter recebido de desconhecidos.

Noutro interrogatório, Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, foi instado a explicar a origem da minuta de decreto presidencial prevendo intervenção no TSE, cancelamento da vitória de Lula e formação de uma junta de maioria militar para virar o resultado eleitoral do avesso. Extraído de um armário durante batida policial na casa de Anderson, o documento menciona que a intervenção ocorreria depois do dia 12 de dezembro, data em que o TSE diplomou a chapa Lula-Alckmin. A reunião em que Marcos do Val ouviu o plano de grampear Moraes ocorreu em 9 de dezembro.

Vivo, Chacrinha ficaria intrigado com uma confusão que, a pretexto de embaralhar as investigações, coloca Bolsonaro na cena do crime, convertendo-o num elo indissociável entre o plano de golpe e a minuta do decreto que consolidaria a virada de mesa. Enxerga-se por trás do manto diáfano da desinformação a imagem do capitão costeando as grades de uma cela.