Topo

Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No relato de Bolsonaro à PF, caso das joias é estrelado por um ex-Bolsonaro

 O Antagonista
Imagem: O Antagonista

Colunista do UOL

15/04/2023 04h36

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A nitidez perdeu a função no depoimento de Bolsonaro à Polícia Federal sobre o escândalo das joias sauditas. No script empurrado por Bolsonaro para dentro do inquérito, obtido pela TV Globo, nada é o que parece, nem o depoente.

Egocêntrico nato, mito desde a primeira mamada, Bolsonaro apresentou-se diante do delegado federal Adauto Machado como um pobre-diabo. Acorrentou-se a mandamentos negativos. Todos começam com não.

Não sabia que seu ministro Bento Albuquerque trouxe para o Brasil, em 2021, joias presenteadas pela Arábia Saudita. Tomou conhecimento apenas 14 meses depois da apreensão dos diamantes de R$ 16,5 milhões na alfândega. Mas não lembra o nome de quem contou.

Bolsonaro não sabe dizer o motivo que levou seu ajudante de ordens Mauro Cid e o então chefe da Receita Federal Júlio César Vieira a correrem para tentar reaver, no dia 29 dezembro de 2022, as joias apreendidas pelo Fisco. Ele jura que não ficou cobrando de ninguém a recuperação das joias.

Longe da polícia, o fracasso costuma subir à cabeça de Bolsonaro, fazendo com que ele enxergue no reflexo do espelho um político digno de estátua. Diante do delegado, o capitão piou como pardal de si mesmo, sujando com desenvoltura dialética a própria testa de bronze.

Fora do inquérito, finge que faz e acontece. Dentro dos autos, é governado pelas circunstâncias e se esforça para assegurar os dois objetivos estratégicos dos seus defensores: colocar a culpa nos outros e não ser preso.

Mal comparando, esse ex-Bolsonaro do depoimento à polícia lembra muito um personagem secundário da peça Júlio César, de Shakespeare. Atiçados por Marco Antonio, os plebeus saem à caça dos assassinos do imperador.

De repente, a turba esbarra num cidadão pacato chamado Cinna. "Matem-no, é um dos conspiradores!", grita alguém. "Não, é apenas Cinna, o poeta", retruca outra voz ao fundo. E a sentença: "Então, matem-no pelos maus versos."

Mesmo virando-se do lado avesso, Bolsonaro precisa ser punido. Pelo peculato das joias e pelos maus versos.