No buraco, Argentina hesita em jogar terra em cima de si mesma
Formou-se entre os eleitores argentinos uma densa unanimidade. Ninguém ignora que o país está no buraco. A dispura presidencial exala um odor de velório. Foram ao segundo turno dois coveiros: Sergio Massa e Javier Milei. Nenhum dos dois parece capaz de deter o funeral. Mas, ao evitar que Milei virasse o presidente da cova já no primeiro turno, a Argentina monstrou que pelo menos hesita em jogar terra em cima de si mesma. Um pedaço do eleitorado parece empenhado em salvar o básico: a democracia.
Javier Milei associa a insanidade ao fator antidemocrático. Evoca ideais da ditadura, trata aquecimento global como mentira, defende a venda de órgãos humanos, trama uma educação privada e promete fazer da moeda argentina "esterco", dolarizando a economia. Seu símbolo é uma motosserra, com a qual diz que podará gastos públicos e extirpará a "casta" política.
Sergio Massa, ministro da Economia da ruinosa Presidência de Alberto Fernández, vende medo em vez de esperança. Conquistou a maior votação do primeiro turno insinuando que Milei extinguirá programas sociais e aprofundará o caos. Cavalgando valores democráticos, Massa esconde a enxada e tenta convencer os argentinos de que é a pessoa mais indicada para fechar o buraco que ajudou a cavar. Um buraco em que a superinflação se mistura à recessão, ao câmbio desgovernado e à pobreza em ascensão.
Não há favoritos na Argentina. Vencerá a disputa quem tiver lábia para seduzir eleitores dos candidatos derrotados, sobretudo os de Patricia Bullrich, que obteve 23,8% dos votos a despeito de estar vinculada a outro desastre: o governo conservador do ex-presidente Mauricio Macri.
Diante do cheiro de enxofre, o melhor que o governo brasileiro pode fazer é manter a sobriedade. Lula deve torcer por Massa, o ruim, sem hostilizar Milei, o muito pior.
Como costuma dizer o próprio Lula, "política é a arte de conversar." E um governante só pode conversar "com quem está na cadeira, goste-se ou não de quem o povo escolheu". Com Massa ou Milei, a Argentina continuará sendo o terceiro maior parceiro comercial do Brasil.
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