Josias de Souza

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Opinião

Condenação não retira golpista de farda de dentro do Tesouro

No Brasil, ninguém é culpado enquanto houver a possibilidade de exigir num recurso uma prova em contrário. Se o réu veste farda, é premiado com regalias de inocente mesmo quando as evidências tornam inócuo o exercício do contraditório.

Deflagrada antes do Carnaval, a Operação Hora da Verdade fisgou 16 militares. Somando-se o delator Mauro Cid à tropa dos enrolados na trama golpista, a conta sobre para 17. Três amargam prisão preventiva.

Considerando-se a coleção de provas, são eloquentes as chances de o Supremo grudar no uniforme dos envolvidos na conspiração golpista a desonra de uma condenação criminal. Mas as eventuais sentenças representarão não um ponto final, mas meras reticências.

Na gramática, as reticências são três pontinhos colocados no final das frases para sinalizar que o enredo está incompleto. No caso das fardas, a consumação de uma hipotética punição é condicionada a um segundo veredicto, a ser proferido pela Justiça Militar.

Caso a pena do Supremo exceda os 24 meses de cadeia, como parece provável, a expulsão dos golpistas fardados dos quadros das Forças Armadas não será automática. Pode demorar mais de um ano.

A eventual condenação encostará os militares no artigo 99 do Código Penal Militar. Anota o seguinte: "A perda de posto e patente resulta da condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos, e importa a perda das condecorações."

O enquadramento segue uma burocracia arrastada. Depende de requisição do Ministério Público Militar ao Superior Tribunal Militar. Confirmada a sentença, providencia-se, finalmente, a expulsão.

O expurgo funcional empurrará os militares que atentaram contra a democracia para dentro do artigo 20 da lei 3.765, sancionada em 1960. Prevê que o fardado expulso "deixará aos seus herdeiros a pensão militar correspondente ao posto que possuía, com valor proporcional ao tempo de serviço".

Quer dizer: os golpistas sentenciados serão tratados como mortos-vivos. Hoje, os zumbis continuam recebendo contracheques como se nada tivesse sido descoberto sobre eles. E continuarão plantando bananeira dentro dos cofres do Tesouro mesmo depois de condenados.

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Na prática, os contribuintes brasileiros serão condenados à pena perpétua de remunerar os herdeiros daqueles que conspiraram contra a democracia. Um acinte! Não é só. Há mais e pior.

Enquanto aguardam pelas sentenças do Supremo, os cúmplices fardados de Bolsonaro que ainda integram o serviço ativo das Forças Armadas continuam na fila das promoções. Tome-se, por eloquente, o caso de Mauro Cid.

Aucotonconvertido em criminoso confesso desde que firmou acordo de delação com a Polícia Federal, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro pode ser promovido de tenente-coronel a coronel se o Supremo não confirmar até o final de abril a sua condição de réu.

Nessa hipótese, o salário de Mauro Cid, hoje na casa dos R$ 26 mil mensais, será aumentado para algo em torno em torno de R$ 32 mil. Significa dizer que a pensão de Gabriela Santiago Ribeiro Cid, a mulher do futuro condenado, ainda pode ser vitaminada. Um escárnio!

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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