Josias de Souza

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Opinião

Bolsonaro derrete em inquérito, mas impõe sua multidão ao país

Abespinhado com o vazamento de trechos da investigação sobre a tentativa de golpe, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes divulgou todos os depoimentos que mantinha sob o manto diáfano do sigilo processual.

Submetidos ao cheiro de queimado, Bolsonaro e seus operadores políticos borrifaram nas redes sociais imagens da multidão que recepcionou o investigado na cidade de Maricá, no Rio de Janeiro.

A simultaneidade dos dois fatos potencializou o paradoxo que envenena a conjuntura nacional: nas páginas do inquérito da Polícia Federal, Bolsonaro derrete como um picolé exposto ao sol. Nas ruas, exibe uma musculatura política que resiste à perspectiva de condenação que deve encaminhá-lo à cadeia.

Fica evidente que a eventual prisão de Bolsonaro, cada vez mais provável, condenará o Brasil ao convívio com o bolsonarismo. Não será um convívio fácil.

Bolsonaro é empurrado para dentro de uma sentença criminal pelo delator Mauro Cid, um tenente-coronel que frequentou a cozinha do Alvorada, e por dois expoentes militares que se recusaram a aderir ao golpe.

O general Freire Gomes e o brigadeiro Batista Júnior, ex-chefes do Exército e da Aeronáutica. Fixaram um contraponto em relação ao almirante Almir Garnier, que colocou a tropa da Marinha "à disposição" do golpismo, e ao general Paulo Sérgio Nogueira, que converteu o Ministério da Defesa em ninho da conspiração antidemocrática.

Cid, Freire e Batista não são adversários da esquerda, mas legítimos representantes daquilo que Bolsonaro chamava de "minhas Forças Armadas". Escancaradas no noticiário a duas semanas do aniversário do golpe de 1964, as revelações dos militares têm um aroma de história.

O enredo ficcional da vitimização não tem potencial para livrar Bolsonaro, um capitão expurgado do Exército pela porta lateral, de um indefectível encontro com o Código Penal. Mas ajuda a cristalizar um eleitorado de ultradireita que, incorporado à paisagem, não retornará para o armário.

Tomado pelas palavras, Lula tem dificuldades para compreender o desafio histórico que assedia o seu terceiro mandato. Ao eleger Bolsonaro, que chama de "figura", como rival nas eleições municipais e declarar em entrevista que "a polarização é boa" para o país, o presidente revigora o antipetismo, combustível que mantém vivo o bolsonarismo.

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Num instante em que as pesquisas o intimam a apresentar resultados, Lula atiça a oposição no Congresso e anima a disputa pelo espólio político de um Bolsonaro inelegível. Eleito enrolado na bandeira da "pacificação", afasta-se gradativamente do arco democrático que lhe permitiu subir a rampa pela terceira vez. Na prática, ajuda a virar a página da história para trás.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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