Fundamentalismo bolsonarista libera Lula para falar de aborto
Feito para constranger, o projeto que equipara o aborto após a 22ª semana de gravidez ao crime de homicídio funcionou como uma alforria para Lula. Ao tentar impor a mulheres e meninas estupradas pena maior do que a do estuprador, o deputado-pastor Sóstenes Cavalcanti forneceu a vacina de que Lula precisava para realçar que, num Estado laico, aborto é questão de saúde pública.
Lula disse quase tudo quando injetou na entrevista que concedeu à CBN os fatores etário e monetário. "Quem está abortando na verdade são meninas de 12, 13, 14 anos", disse ele, antes de contrapor a imagem da "madame" que vai fazer aborto em Paris à da "coitada" que morre desassistida em casa, espetando uma agulha de tricô no útero. Cutucou Sóstenes: "Quero saber se uma filha dele fosse estuprada como ele ia se comportar."
Revigorado pela reação das ruas e das redes sociais contra a proposta fundamentalista de viés iraniano, Lula sapateou sobre a lambança bolsonarista. Agora, só falta transformar o palavrório em atos práticos.
No final de fevereiro, a ministra Nísia Trindade (Saúde) suspendeu uma nota técnica que derrubava prazo para o aborto legal. Alegou-se que o documento não havia passado por todas as instâncias do governo. Lorota. Em verdade, o recuo ocorreu porque o governo foi moído nas redes sociais pelo bolsonarismo.
A nota técnica da pasta da Saúde revogava orientação adotada sob Bolsonaro, fixando prazo de 21 semanas e 6 dias de gestação como limite para a interrupção de gravidez nos casos de estupro previstos em lei (estupro, risco de vida para a mãe e anencefalia). Alegou-se que o governo reeditaria oportunamente a portaria suspensa. Até agora, nada.
Deixe seu comentário