Josias de Souza

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Opinião

Com Boulos, Lula faz de SP palco de um 3º turno de 2022

Ao estrelar a convenção do PSOL, que formalizou neste sábado a candidatura de Guilherme Boulos à Prefeitura de São Paulo, Lula consolidou o plano de converter a capital paulista em palco de uma disputa particular com a "figura", como ele prefere chamar Bolsonaro. Antecipando o embate de 2026, o xamã do PT transformou a disputa municipal de 2024 numa espécie de terceiro turno de 2022.

Pela primeira vez na história, o PT não terá um candidato próprio nas eleições paulistanas. Pragmático, Lula escanteou o próprio partido para perseguir o objetivo de abater dois coelhos com uma única cajadada. Deseja fragilizar a ultradireita representada por Bolsonaro e a alternativa presidencial do conservadorismo, personificada na figura do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

Bolsonaro e Tarcísio são os dois padrinhos do prefeito Ricardo Nunes. Candidato à reeleição, Nunes amealhou no último Datafolha, divulgado em 5 de julho, 24% das intenções de voto. Está estatisticamente empatado com Boulos, que obteve 23%.

O candidato do PSOL vive um experimento apelidado no universo da computação de morphing. É o processo de transformar uma cara em outra. Apareceu pela primeira vez no clip Black and White, de Michael Jackson. Primeiro, o semblante do ex-líder do movimento dos sem-teto foi, por assim dizer, suavizado pelas feições de Marta Suplicy, acomodada na chapa como vice. Depois da convenção deste sábado, surgiu em cena um personagem novo: o Luloulos.

O resultado da fusão não ganharia um concurso de beleza. Mas Boulos parece convencido de que está na bica de se converter em signo da "mudança". Com o olhar voltado para Lula, o candidato discursou: "Eles sempre disseram que nossos sonhos eram impossíveis. Que era impossível um metalúrgico chegar à Presidência, e você chegou três vezes. Era impossível alguém que veio do movimento sem-teto ganhar a prefeitura da maior cidade da América Latina, e nós vamos mostrar mais uma vez que ele estão errados".

Com os olhos fixados na próxima sucessão presidencial, Lula ecoou o apadrinhado: "De uma coisa eu estou certo: com a vitória do Boulos, a gente vai dizer que nunca mais a extrema direita, os fascistas, os nazistas, os negacionistas e os mentirosos vão voltar a governar este país". Como Bolsonaro está inelegível, o personagem oculto da futurologia de Lula é Tarcísio, a quem tem fustigado por recusar os convites do Planalto para participar de solenidades pseudo-administrativas no estado de São Paulo.

Lula cuidou de grudar a imagem do seu arquirrival no adversário local de Boulos: "Tem outro [candidato] aqui que não tinha candidato a vice, e o Bolsonaro obrigou a engolir um que era quase que um ditador na Ceagesp [Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo], tratando mal as pessoas, proibindo sindicato de funcionar". Referia-se ao coronel reformado da PM Ricardo Mello Araújo, empurrado pelo capitão para dentro da chapa de Nunes.

Num contraponto ao bolsonarismo acanhado de Ricardo Nunes —ele ainda se diz "ricardista", não bolsonarista—, Marta Suplicy, reinserida por Lula nos quadros do PT depois de ter abandonado a legenda batendo a porta, falou do seu retorno com um orgulho insuspeitado: "Esse é o meu lado da política, e a minha história, e a minha vida. Presidente Lula, você me trouxe de volta ao PT e criou as bases para a coligação poder existir." Marta esqueceu de lembrar —ou lembrou de esquecer— que carrega na biografia uma passagem pelo secretariado do atual prefeito no verão passado.

A exemplo de Lula e de Luloulos, Marta também tingiu a sua retórica com cores federais: "São Paulo hoje é o berço da refundação da nossa política nacional. É daqui que abandonaremos de vez o ódio que atrapalha a nossa vida. Trilharemos o caminho da pacificação. Aqui, a democracia terá um novo impulso. Só Boulos representará isso. O resto, minha gente, é retrocesso".

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A prioridade atribuída à disputa de São Paulo foi potencializada pelo séquito de ministros que acompanharam o chefe na convenção do PSOL. A certa altura, Lula arrastou o titular da pasta da Fazenda, Fernando Haddad, para a principal foto do dia. A dupla sorriu para a câmera ao lado de Boulos, Marta e da ex-prefeita Luiza Erundina. "Se puderem, na campanha, andem com essa foto aqui. Para vocês fazerem a comparação com quem está disputando conosco", encareceu Lula, como que decidido a dirigir as cenas que estão por vir.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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