Josias de Souza

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Ao dizer que vai 'pegar' as joias, Bolsonaro desafia a PGR e o STF

Bolsonaro está falando e andando para a Procuradoria-Geral da República e para o Supremo Tribunal Federal. Desafiou as duas instituições ao discursar para uma plateia de devotos, em Pernambuco, no sábado. Declarou: "Vou pegar o conjunto de joias, conjunto que é meu."

Sob ovação e gritos de "mito", o orador fez pose de benemérito tardio. Depois de ter sido pilhado comercializando parte das joias estimadas em R$ 6,8 milhões, anunciou que vai "leiloar" os presentes recebidos da Arábia Saudita e do Bahrein, para "doar" os recursos à Santa Casa de Juiz de Fora, onde foi socorrido após sofrer uma facada, na campanha de 2018.

Indiciado pela Polícia Federal por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro, Bolsonaro dá de barato que o procurador-geral da República Paulo Gonet não o denunciará ao Supremo. Supõe que, ainda que Gonet converta em denúncia o indiciamento no caso das joias, a Suprema Corte não ousará condená-lo.

Deve-se a súbita valentia de Bolsonaro à decisão tomada na última quarta-feira da pelo Tribunal de Contas da União. Por maioria, o órgão avalizou o voto do ministro Jorge Oliveira, bolsonarista de mostruário, livrando Lula do constrangimento de devolver relógio de R$ 60 mil presenteado em 2005 pela grife francesa Cartier.

Redigido com a caligrafia dos advogados de Bolsonaro, o voto de Oliveira, amigo e ex-ministro do "mito", esfarelou decisão unânime do próprio TCU que, em 2016, proibira que ex-presidentes se apropriassem de presentes, com a exceção de artigos considerados personalíssimos. Coisas como como comida, bebida, roupa e perfume.

Relator do acórdão de 2016, o ministro Walton Rodrigues, soara premonitório ao exemplificar os presentes que constituem bens de Estado. Anotou que "não é razoável" que "uma grande esmeralda de valor inestimável ou um quadro valioso" presenteados por um chefe de governo estrangeiro "possam incorporar-se ao patrimônio privado do presidente da República do Brasil".

Guiando-se por essa decisão, outro ministro da bancada bolsonarista do TCU, Augusto Nardes, viu-se compelido a impor a Bolsonaro, em decisão cautelar divulgada em março de 2023, a devolução de um conjunto de joias sauditas. Desde então, os presentes estão sob a guarda da Caixa Econômica Federal.

Numa dedução lógica, a defesa de Bolsonaro avalia que, ao permitir que Lula retenha o relógio Cartier, o TCU condenou-se a devolver as joias das arábias ao seu cliente. Cabe ao bolsonarista Augusto Nardes encaminhar a providência à deliberação do plenário do TCU. Algo que ele deve fazer com muito gosto.

Neste domingo, em conversa com a coluna, um ministro do Supremo disse que a Procuradoria-Geral da República não está obrigada a seguir eventual arquivamento do caso das joias no TCU. A decisão tampouco condiciona um eventual julgamento futuro a ser realizado na Suprema Corte em relação aos crimes atribuídos a Bolsonaro.

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Em petição protocolada no Supremo no início de agosto, a defesa de Bolsonaro já havia requerido o arquivamento do inquérito das joias. Farejando a decisão que seria tomada pelo TCU, os advogados mencionaram um outro relógio da marca Piaget presenteada a Lula em 2005 pelo então presidente francês.

Os doutores anotaram: "Situações análogas à deste caso —nas quais presente recebidos por outros presidentes da República (como o notório Piaget recebido pelo presidente Lula do presidente francês Jacques Chirac, entre outros) foram incorporados aos seus acervos pessoais sem qualquer desdobramento penal— receberam tratamento absolutamente distinto..."

Relator geral das encrencas bolsonaristas no Supremo, o ministro Alexandre de Moraes deu de ombros. Simultaneamente, a Procuradoria cozinha em banho-maria o indiciamento de Bolsonaro, formalizado pela Polícia Federal em julho. O procurador-geral Paulo Gonet submete o caso das joias a um cálculo político. A pretexto de evitar polêmica em meio à campanha municipal, cogita empurrar sua decisão sobre denunciar ou arquivar o caso para depois das eleições de outubro.

Ao declarar que vai "pegar" as joias, Bolsonaro tenta tirar proveito da hesitação de Gonet, criando uma atmosfera de fato consumado. Sabe que sua pretensão esbarra nos fatos. Mas se equipa para reforçar o papel de vítima. Um figurino que orna com o enredo da anistia articulada no Congresso para eventuais futuras condenações nos casos das joias, da falsificação de cartões de vacina e, sobretudo, da tentativa de golpe de Estado.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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